FOTOS/DALTON VALÉRIO |
“O quanto a gente tem
controle sobre a própria vida e a interferência que o outro pode exercer sobre nós são questões que me motivaram a
escrever este texto”, assim define o ator e diretor Leonardo Netto sua
segunda incursão dramatúrgica - A Ordem
Natural das Coisas.
O que o aproxima da teoria existencialista sartriana, expositiva tanto no ensaio O Ser e O Nada como
em sua peça Entre Quatro Paredes, pois
se somos, no suporte da condição humana, o retorno das nossas próprias escolhas,
há que se assimilar o enfrentamento dos resultados de nossos atos.
Mas se esta prevalência
do eu, no sentido ontológico do ser dono de sua liberdade, nos faz em tese
responsáveis pelas nossas opções de vida, de outro lado, constata-se a consciência
de que o “inferno são os outros”. Na intersubjetividade de que o
senso de ser livre vai apenas até a obrigatoriedade da convivência com outros
pensares e posturas, sob um vigilante
olhar social.
No irônico contraponto de “desordenamentos” da progressão
determinista de “A Ordem Natural das
Coisas” há estas nuances filosóficas em passagens monologais de enfoque
reflexivo, com sutil substrato subjetivista nos confrontos comportamentais e no
acionamento dramático dos três
personagens.
E é Emiliano(Cirillo
Luna) consultor de Feng Shui, também
antigo amigo e quase cunhado, que tenta
reintegrá-lo na vida e nos ofícios, incutindo fórmulas de conduta, ridicularizadas
por Lúcio. Onde, a partir do desparecimento de um gato da vizinha Cecília (Beatriz Bertu), vai incitando liames
atrativos entre esta e o depressivo ex-noivo, apesar de uma subliminaridade afetiva conflitar este relacionamento.
No uso dos elementos técnico/artísticos, o simbológico aporte
cenográfico (Elsa Romero) com caixas entreabertas de presentes de casamento delimitando o espaço físico, na
frontalidade de vazada armação plástica centralizada num portal em vermelho. Mais a cotidianidade da indumentária (Maureen Miranda), sob um
desenho de luz (Aurélio de Simoni) sublinhando climas emotivos/nostálgicos, a
partir de um score sonoro roqueiro anos 60.
Sintonizando-se à integralidade dos inúmeros acertos da
montagem, a exploração de todos os contornos físico/psicológicos dos
personagens, através de notabilizante unicidade interpretativa favorecendo de vez a representação.
Com João Velho revelando convicção e folego nos caracteres de um egotismo
derrotado e na sujeição a um jogo de interferência em suas atitudes, explorado
com cativante densidade nas ironizadas postulações de incentivo do papel de Cirillo
Luna. E completada na espontaneidade irradiada nos embates de jovial sedução da personagem de Beatriz Bertu.
Numa brilhante textualidade de Leonardo Netto em contínuo surpreendimento por seu equilíbrio alterativo, da coloquialidade dialetal e sotaque humorado da
ação cênica às tessituras discursivas dos solilóquios direcionados ao público, nos interregnos filosóficos/estetizantes. Qualificação autoral que se estende à apuração potencializada do seu comando diretor aprofundando, sobremaneira, a adesiva cumplicidade palco/plateia.
Wagner Corrêa de Araújo
A ORDEM NATURAL DAS COISAS está em cartaz, no Sesc/Copacabana (mezanino), de quinta a
sábado, às 21h; domingo, às 20h. 100 minutos. Até 03 de junho.
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