“Dentro de mim mora um
grito. Toda noite, ele sai com suas
garras, à caça de algo para amar". É assim que ecoa o angustiante brado
pelo difícil suporte da condição humana amputada, em sua brevidade(1932/1963),
por trágica solução para o inventário poético/existencial da norte-americana
Sylvia Plat.
Na textualidade dramatúrgica de Ilhada em Mim-Sylvia Plath, a partir dos seus escritos,
entre cartas e poemas, Gabriella Melão
evita a habitual contextualização mítica de sua vida, optando por traçar um retrato
além biográfico, a partir de um intimista dimensionamento psicofísico especular
de sua criação literária.
O que se reflete, sobremaneira, na concepção
cênico/diretorial assumida por André Guerreiro Lopes, em duplicidade como Ted Hughes, o também poeta e marido da
personagem titular – Sylvia Plath, aqui
em sensibilizada personificação por Djin Sganzerla.
Nesta premiada montagem paulista pela Cia Lusco Fusco, como de hábito
em suas realizações, há um singularizado mix artístico (teatro, dança, artes visuais
e plásticas). E que chega, só agora, em temporada nos palcos cariocas, três anos após a sua
estreia.
A prevalência de uma pulsão do sensorial faz com que o
comando diretorial de André Guerreiro Lopes transmute a representação plástico/gestual/vocal em transcendente
exteriorização de uma intersubjetividade corpo-espírito, vida-poesia. Em
alegórica simbolização do mundo interior de Sylvia Plath pelo alcance do que
ele chamou de “poema cênico”.
Ampliando o enunciado confessional, do delirante élan
imaginário/poético ao conturbado verismo biográfico, o desenho de luz (Marcelo Lazzaretto) enfatiza
climas sombreados de lirismo e pesadelo. Exponenciais também nos acordes sofisticados do score sonoro de Gregory
Slivar.
Materializando-se, ainda, na surrealista paisagem líquida do
espaço cênico, via simbólicos objetos suspensos descongelando-se em gotas d'água crescentes que vão
mergulhando móveis e molhando figurinos (Fause Haten) de recortes solene/fantasiosos.
Este referencial hídrico remete a lembranças e citações da obra
de Plath na correnteza que arrasta corpos e mentes: “É o mar que tu ouves em mim.
Sua insatisfação? Ou a voz do nada. Tua loucura?”...
Onde Djin Sganzerla, ao incorporar em cativante gestual no
conluio palavra- movimento, teatro-dança, assume um sotaque bauschiano. Irradiando convicção sincera e densidade emotiva nos contornos de seu
papel.
E que tem menor favorecimento no personagem de André Guerreiro
Lopes, quase apenas acólito e complementar ao perfil biográfico enfocado, mas revelando
segurança nesta eventual limitação acional.
Embora, às vezes, uma narrativa fragmentária, acentuada no hermetismo
de algumas passagens em inglês, ora cinéticas ora auditivas, corra o risco de
uma menor cumplicidade da plateia. Ou numa quebra da progressão dramática por
uma performance poética com potencializada nuance de subjetivismo psíquico.
Mas, de forma algum, estes interregnos ou marcações são capazes
de invalidar a espontaneidade criativa deste espetáculo, na sua retomada estético/teatral de um dos mais enigmáticos e metafóricos mistérios poéticos
de todos os tempos.
Wagner Corrêa de Araújo
ILHADA EM MIM-SYLVIA PLATH está em cartaz no Teatro Poeira/Botafogo, de quinta a sábado, 21h;domingo, às 19h. 60 minutos. Até 10 de Junho.
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