FOTOS/FERNANDO PASTORELLI |
Icônico talvez seja a melhor definição do papel empenhado por
esta ópera, tanto no seu significado histórico/musical como na sua indiscutível
conquista do apelo popular, precedidos, ironicamente, de malograda estreia, em
1853, no La Fenice de Veneza.
Seguida pela prevalência absoluta no repertório lírico de
qualquer teatro ao reunir, com maestria, ingredientes de romantismo e tragédia,
força dramatúrgica a partir de suas próprias raízes literárias (de um romance autoral transformado em peça
por Alexandre Dumas Filho) e partitura inspirada, com seus embates vocais
e potencial melodismo que Verdi soube
como bem lhe imprimir.
Além, ainda, de ter sido precursora na sua ousadia de abordagem
do feminino através do retrato de uma cortesã e dos bastidores da vida mundana
de uma Paris, entre a elegância aristocrática e os sórdidos meandros da
prostituição. Antecipando, com seu retrato de uma personagem da vida real, os
fundamentos estéticos do futuro verismo
na ópera italiana.
Ao escolher para abertura
de sua temporada oficial, uma bem sucedida produção mineira do Palácio das
Artes para La Traviata, o Teatro
Municipal de São Paulo acertou no seu lance de dados para tempos de crise, sobremaneira, nas artes
cênicas brasileiras e, em maior grau, na já tão carente produção operística em nossos
palcos.
Em momentos assim, urge que os detentores da oficialidade dos
recursos públicos tenham consciência de que há de se abdicar da vaidade de suas próprias produções luxuriantes nem sempre tão qualitativas,
seja como solução cênica seja como resultado vocal, tanto no retorno da crítica como na
cumplicidade do público.
A resposta está exemplificada nesta aposta acertada na tradição sintonizada com a
contemporaneidade em encenação assumida, com raro brio, pelo experimentado
comando cênico de Jorge Takla. Que, mais uma vez, trouxe para o universo
musical da ópera a exploração do componente formal, dramático/gestual,
necessário à progressão da narrativa e ao devido dimensionamento psicológico dos personagens.
Exponencial em seu
conjunto, desde a concepção dos imponentes mas funcionais cenários de Nicolás
Boni à unicidade requintada dos figurinos (Cássio Brasil) com equilibradas
nuances em tecidos e cores combinando, sem nunca cair no mau gosto, com a
mascaração do visagismo e no uso dos acessórios. Tudo sob um desenho discricionário
de luzes ambientalistas(Fábio Retti) que
favorecem a representação.
A Orquestra Sinfônica
Municipal de São Paulo alcançou bela sonoridade na leitura musical de
Roberto Minczuk, sabendo sempre como privilegiar os cantores na modulação de
seu volume. Desde o intimismo com que
soaram os prelúdios aos atos I e III à expressividade tonal dos acompanhamentos
em cenas de conjunto, duetos e árias de peculiar feitura composicional verdiana.
Sem deixar de destacar a já conhecida competência artesanal/harmônica
do Coro Lírico Municipal na
envolvência de suas intervenções. Ao lado de enérgico traçado neoclássico da
coreografia (Dany Bittencourt) nas danças características e da sensorial
dramaticidade dos bailarinos da Cia
Cisne Negro, na simbolização do trágico epílogo da protagonista titular.
Técnica e talento, salvo algumas ressalvas, não faltaram às interpretações vocais/teatrais
do elenco que conduz a trama, todos entregando-se com níveis de credibilidade às demandas da linha cênica proposta por Takla.
A Leonardo Neiva não houve carência de convincente presencial cênico, potente emissão de barítono
e impecável dicção na personificação de Germont. Enquanto ao tenor(Georgy Vasiliev), de origem eslava, de
limitado dramatismo como intérprete de Alfredo, embora tenha um bonito timbre mas de pouco alcance, foram incipientes seus registros entre os
graves e os agudos.
No cômputo geral é à Violetta de outra procedência russa (Nadine Koutcher), que cabe o maior destaque da performance. Tanto na postura ao mesmo tempo sensível e
provocante do personagem, como nas variações
sequenciais de soprano coloratura, spinto
e dramática.
Capaz, assim, de impactar desde o brilho com direito a malabarismos
vocais no Sempre Libera, de lirismo
generoso, aos matizes de sombreamento comovente no Addio del passato, em
espetáculo que se tornou, sem dúvida, a primeira grande surprêsa operística do ano.
Wagner Corrêa de Araújo
A ópera LA TRAVIATA, que começou sua temporada em Belo Horizonte no dia 11 de maio,tem suas ultimas récitas nos dias 24, quarta feira, e 25, sexta-feira, às 20h, no Theatro Municipal de São Paulo.
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