ALICE MANDOU UM BEIJO : DEIXE-ME PARTIR

FOTOS/RENATO MANGOLIN

Uma morte que conduz a um estranho processo de conflito e  culpa para os que ficam mas , ao mesmo tempo,atua  como uma perda necessária para um acerto de contas na ambiência doméstica.

Ou um questionamento do passado para uma reavaliação  do presente. Este é o fio condutor da mais nova criação dramatúrgica de Rodrigo Portella – Alice Mandou um Beijo, continuando sua reveladora trajetória autoral, depois  de Uma História Oficial e, especialmente, Antes da Chuva.

Neste álbum de família,  os retratos são de um patriarca  -o Sr. Araújo (José Eduardo Arcuri) ensimesmado em sua surdez e nos pesares após a perda da filha mais jovem, Alice. Que deixa viúvo, o inseguro Osvaldo( Tairone Vale).

Completando os  flashes fotograficos  , as irmãs da morta,  a primogênita Oneide (Vivian Sobrino), única capaz de  vôos libertários ,opondo-se à sufocante acomodação da  irmã Jandira( Bruna Portella),na sua obsessiva relação com um filho autista Robério( Luan Vieira).

Controvertido clã, em que a ausência de um deles, transforma um baú de lembranças, aparentemente felizes,  em perigosa cobrança, capaz de coloca-los à beira de um abismo de angustiante  melancolia e árida inquietação. 

Num perigoso duelo de times, afetivos pelos laços parentais , mas de arriscados ataques e defesas, onde os jogadores , em sua falta de perspectiva vão sendo derrotados pela persistência , de anseio anárquico e libertino, da independente Oneide.

O seguro comando mor de Rodrigo Portella não escorrega nos  clichês do melodramático numa temática de traços quase novelescos .No confronto  de tramas paralelas ,às vezes reiterativo demais  nas suas  idas e voltas , demonstrando, sempre, alquimia inventiva em sua disciplinada direção.

Com um elenco coeso e caloroso ,acontece uma sincera adesão aos personagens ,  nos silêncios de  Eduardo Arcuri, nos consentimentos de Bruna Portella,nos recalques de Tairone Valle, na irônica malícia de Vivian Sobrino e na irrepreensível interiorização de  Luan Vieira.

Conjugando-se a estética teatral,  ainda,   desde o   adequado desenho de luz (Renato Machado) à  sutileza dos figurinos(Danielle Geammal),  no preencher o vazio das roupas da morta com o corpo dos atores. E, enfim, o cenário(Raymundo Pesine), de ancestralidade metafórica, com    grandes armários escondendo  insólitos segredos.


No  cotidiano de nossas casas, entre desejos e temores, claridades e sombras, sentimos, amamos, ficamos ou partimos, vivendo ou morrendo.

E foi assim que  Alice Mandou um Beijo , através da incrível  Cia. Cortejo , para reflexionarmos,compartilhando a palavra confessional de Rodrigo Portella, sobre as contradições da condição humana.



Alice Mandou um Beijo está em cartaz, em nova temporada,no Teatro Gláucio Gil, Copacabana, de sexta a segunda, 20h. 70 minutos. Até 17 de outubro.

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