FOTOS/RENATO MANGOLIN |
Como um representativo nome da nova dramaturgia catalã e dono de já considerável obra, com peças autorais montadas mundo afora, Josep Maria Miró vem alcançando também os palcos brasileiros.
Seja por uma das prestigiadas realizações da temporada
teatral carioca 2017, com O Princípio de
Arquimedes, na tradução/direção de Daniel
Dias da Silva, mas ainda por ter inspirado Carolina Jabor em bem sucedida
versão cinematográfica – Aos Teus Olhos.
E, agora, no retorno, pelo forte presencial deste thriller
psicológico Nerium Park, em outra
acurada tradução de Daniel Dias da Silva e outro artesanal comando de Rodrigo
Portella.
Onde um jovem casal classe média decide o recomeço de vida em inédita aquisição residencial, midiatizado
pelo ideário de um absoluto oásis de paz, na atratividade de empreendimento imobiliário distanciado dos
ruidosos agitos da urbanidade.
Mas que, após breve transcurso temporal, enunciado
dramaturgicamente na simultaneidade de onze meses e onze cenas, é transmutado numa
temporada no inferno em progressiva desintegração das relações afetivas e na
ambiguidade terminal dos projetos
familiares.
Com referencial titulação, ironizada na nominação de planta tóxica (Nerium Oleander), a peça
desestrutura as falsas aparências do bem estar social apregoado pelos projetos corporativos. Onde a proximidade da natureza
fora do perímetro metropolitano acenaria com a fórmula mágica da comodidade e da segurança habitacional.
O que, numa bem urdida progressividade dramática sob pulsão
do realismo psicológico, aos poucos, vai se deixando também “intoxicar” com
esta inalcançável perspectiva. No isolamento cotidiano e no vazio cenográfico (Julia
Decache/R. Portella) de plantas artificiais e alegórica piscina (de conexão significante também com a peça O Princípio de Arquimedes) amplificando angustiada espacialidade.
Na mutabilidade da indumentária (Ticiana Passos), por expressivas marcas luminares (Paulo Cesar Medeiros)
e inusitada intervenção sonora (Marcelo H) de contorno operístico, com a ariosa valsa
de Musetta de La
Bohéme (Puccini), referenciando a coqueteria nas relações amorosas.
E na súbita transformação de idílica felicidade em visceral conflito, sob compasso do árido enfrentamento
dia-a-dia de perguntas sem resposta. Enterrando, literalmente, o sonho no entremeio
de psíquicos questionamentos e pela provocação de um invisível, mas quase ameaçador, terceiro
personagem.
Se na peça anterior (O
Princípio de Arquimedes), era imediatista a identificação decisória do
espectador na busca da culpabilidade
pedófila de um professor de natação, nesta última há maior distanciamento
palco/plateia diante do psicologismo nervoso, particularizado e extremamente
intimista na egotrip de seus dois personagens.
O que torna mais exigente a trajetória de comando cênico (Rodrigo
Portella) na construção do processo de desmoronamento psicofísico dos dois
protagonistas. Mas que ele, mesmo sintonizado num clima psicológico entre o onírico e o pesadelo, equilibra
no naturalismo cru de recursos de fisicalidade sensorial.
De um lado, através da passividade do personagem masculino em
conflituoso comportamental,
instabilizado pelo desemprego recente e nos escapes metafóricos com o improvável morador. Substrato de um papel que
coloca o ator (Rafael Baronesi) à beira de iminentes riscos da representação
monocórdia, no insistente ir e vir de seu paranóico dilema mental.
Paralelo ao contraponto do papel feminino nas alterativas
nuances de suas posturas, ora de praticidade ora de antagônica adesividade aos
devaneios delirantes de seu consorte. O
que a atriz (Pri Helena) alcança, em contundente entrega e com energizada versatilidade, nos oponentes embates destes flutuantes estados emocionais.
Ambos, enfim, convergindo para um instante feroz de desnudamento da
incomunicabilidade humana, viabilizado em reflexivo pensar teatral de olhar armado nos males da contemporaneidade civilizatória.
Wagner Corrêa de Araújo
NERIUM PARK está em cartaz no Teatro Gláucio Gil/Copacabana, de sexta a segunda, às 20h. 100 minutos. Até 10 de setembro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário