FOTOS/OLÍVIA D'AGNOLUZZO |
Numa realidade mundial assolada pela cultura da violência,
pelo eclipse moral e espiritual, pela banalidade do mal de que falava Hannah Arendt, a reflexão propiciada por
Meu Saba, texto teatral inspirado no
relato afetivo e memorial do livro de Noa
Ben Artzi( Em Nome da Dor e da Esperança) torna obrigatório conferi-lo no
palco.
A autora era neta de Ytzhak
Rabin, primeiro ministro de Israel, que, por ironia, foi friamente
assassinado, em 1995, por um compatriota ortodoxo, de um não conformismo
radical quanto aos esforços de paz do líder judeu diante do sonho de Yasser Arafat pela Nação Palestina.
A versão teatral, através de Evelyn Disitzer, além da atriz
Clarissa Kahane e do próprio diretor Daniel Herz, alcança na sua visualização
cênica um dos mais sensíveis exemplares estéticos da atual temporada carioca.
A ideia de Daniel Herz em criar dois tempos simultâneos –o
tempo memorial e o tempo presente , com seu referencial a Robbe - Grillet / Resnais
, torna especialmente singular a proposta dramatúrgica. Ora nas lembranças da
infância e do avô, num cara a cara da protagonista com a plateia, ora nos 30
segundos próximos do seu testemunho fúnebre, no atravessar o caminho translúcido
em direção ao púlpito.
Numa destas mais originais arquiteturas plásticas (Bia Junqueira)
à base de poucos mas eficazes elementos plásticos, ressaltada em luzes
superlativas (Aurélio de Simoni) e uma partitura sonora( Antônio Saraiva) de
propícias induções ambientais, fica estabelecida a envolvência deste jogo
estético dimensionado em dois momentos paralelos .
Numa passarela de tijolos, fissurada ao meio e direcionada a
um palanque onde um fuzil se faz de microfone, a atriz na absoluta entrega a
sua emotiva performance, consegue aliar à sua natural insegurança, diante do
desafio das marcações rígidas da direção, uma jovialidade que a identifica
sobremaneira com o personagem assumido.
E aí tornam-se imprescindíveis a solene tonalidade gestual (
Duda Maia) e a rigorosa elegância do figurino (Antônio Guedes) para a
ritualística inflexão verbalizada deste apelo de paz em período de ceticismo.
Hoje, setenta e três anos após a tragédia do Shoah, a solução final do genocídio, estamos novamente diante da
barbárie perpetrada em nome dos fundamentalismos religiosos e das ortodoxias
políticas.
E, assim, ao compartilhar desta fundamental experiência
cênica, com seu impulsivo tônus filosófico/social, quem sabe possamos tentar
preencher, mesmo que ainda por breves instantes interativos, o vazio da
incessante busca por uma ética da sobrevivência numa temível época onde, segundo Theodor
Adorno, um dos mais lúcidos estetas e pensadores do século XX, -
“A cegueira alcança
tudo, porque nada compreende ".
Wagner Corrêa de Araújo
MEU SABA reestreia na Casa de Cultura Laura Alvim/Ipanema,
sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h. 60 minutos. Até 7 de outubro.
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