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Senhor Diretor. De um conto de Lygia Fagundes Telles. Silvia Monte/ Direção Concepcional. Com Analu Prestes. Outubro/2024. Alexia Maltner/Fotos. |
“A função do escritor?
Escrever por aqueles que não podem escrever. Falar por aqueles que muitas vezes
esperam ouvir de nossa boca a palavra que gostariam de dizer”. (Lygia Fagundes
Telles).
Reflexão da escritora que remete à sua inventividade de
personagens ficcionais tão carregados de verdade confessional e com os quais podemos cruzar, a qualquer hora nas
esquinas da vida, como é o caso de Maria Emília.
Tema de seu conto Senhor Diretor, no
livro Seminário dos Ratos, 1977.
Com similar titulação no formato de um monólogo, em preciosa versão dramatúrgica dirigida por Silvia Monte, preservando o seu original dimensionamento literário, tendo como protagonista, cenógrafa, figurinista e atriz, Analu Prestes com o seu multifacetado talento.
Para um espetáculo direcionado, desde já, como uma bela surpresa, tanto para aficionados da literatura como para os espectadores, por uma
despretensão minimalista como montagem cênica mas que faz dele um primor do puro teatro da palavra.
Assistindo-o é como se estivéssemos desfrutando de um inusitado encontro metafórico com a curiosa personagem de Maria Emilia
(Analu Prestes), através de sua mentora Lygia Fagundes
Telles, conduzidos nesta viagem imaginária, por duas decifradoras presenciais
de um espaço tempo quase cinquentenário, capaz ainda de tanto resistir, com seu
arraigado conservadorismo comportamental e moral, nos dias de hoje, neste país em que
vivemos.
Senhor Diretor. De um conto de Lygia Fagundes Telles. Silvia Monte/ Direção Concepcional. Com Analu Prestes. Outubro/2024. Alexia Maltner/Fotos. |
A senhorinha Emília
(Analu Prestes) professora aposentada beirando quase setenta anos, sendo então um protótipo de uma daquelas
típicas defensoras da tradição na família e nos hábitos sociais, assustada com o
que vê numa banca de jornal, ao dar uma voltinha pela rua, certificando-se
sobre inaceitáveis e absurdos sinais dos
tempos.
Diante das manchetes sobre desmandos da liberdade sexual, as capas de revista com um jovem casal seminu, ela de biquíni amarelo deixando aparecer partes intimas, sendo enlaçada por braços peludos, decide escrever uma carta de protesto ao Senhor Diretor do Jornal da Tarde.
Onde o frugal elemento cenográfico material se concentra em uma
cadeira com braços identificando-se, ora como um móvel doméstico ora como uma
poltrona de cinema. Num dúplice sugestionamento plástico (por Analu Prestes)
que converge também a uma discricionária e formal indumentária feminina, encimada
frontalmente pelo aplique de um esmaecido cravo na lapela.
Completando-se a plasticidade da caixa cênica circular de uma
pequena arena, com projeções nas paredes frontais de detalhes de uma banca de
jornais e revistas e de um fotograma sem imagens internas, numa funcional
ambientação de luzes claras entre sombras (José Henrique Moreira).
Os efeitos da interveniência
musical (Yahn Wagner) com um absoluto acerto referencial às escrituras do conto,
nos seus instântaneos acordes, lembrando o leitmotiv cinematográfico
de Gato Barbieri para O Último Tango
em Paris, ou com um novo arranjo coral para a composição de Gilberto Mendes no entorno
do poema concretista de Décio Pignatari - Beba Coca-Cola.
A narrativa dramatúrgica sustentando-se numa dinâmica
precisa, sabendo como materializar a construção de um personagem, entre o
irônico e o risível em seus conceitos
moralistas plenos, tanto de um desalento como de uma bem humorada carga
emotiva, direcionados a um contraponto crítico que seduz o espectador.
O que a convicta direção de Silvia Monte imprime ao
espetáculo, na fluência coesiva de suas linhas dramáticas e cômicas, numa trama
de aparente simplicidade mas que, em compasso paralelo, possibilita transmutar a transparente força do texto
literário em envolvente gramática cênica.
Ampliada no domínio completo de Analu Prestes sobre seu
papel, nas suas nuances gestuais e vocais, transcendendo-se, mais uma vez, na
sua performance irrepreensível, como uma das grandes atrizes de sua geração.
E é ressaltando o ideário
pensante desta peça, resultado de uma qualitativa parceria entre Silvia Monte e
Analu Prestes para um feliz experimento com dados literários><dramatúrgicos, que se pode
perceber, ali, um subliminar sotaque do inventivo signo mallarmaico para o ofício
da criação : “Todo pensamento emite um
lance de dados”...
Wagner Corrêa de
Araújo
Senhor Diretor está em
cartaz no Espaço Abu/Copacabana, de sexta a domingo, às 20hs, até 10 de
novembro.
3 comentários:
Aqui é sua prima Cristina, adorei. Pena a paradeza cultural de BH. Texto muito inspirador. Amei.
Tive a oportunidade de assistir à leitura dramatizada e achei a dramatização muito bem adaptada. Após a leitura acima fiquei curiosa para ver a peça. Vou este final de semana.
👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
Venha!!!🌹🌹
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