Lygia. Dramaturgia/Direção Concepcional/Maria Clara Mattos/Bel Kutner. Com Carolyna Aguiar. Março/1924. Fotos/Leekyung Kim. |
Coube à artista mineira Lygia Clark impulsionar verdadeira revolução estética no conceitual de uma obra inicializada no ofício
escultural quando a partir dos anos 60, na continuação investigativa de permanente
processo transformador, fez da desmistificação um signo absoluto de sua própria trajetória no
universo da criação plástica.
Longe da pura contemplação do belo mas em proposta na qual se classifica como “não artista” tornando prevalente
o relacionamento sensorial entre a obra, o espectador e ela própria, numa
inclusão de práticas terapêuticas voltadas para decifração dos enigmas de seu eu, direcionados à compreensão do outro e aos mistérios do mundo.
E é no entorno desta instigante argumentação que a dramaturgia de Maria Clara Mattos promove uma completa e luminosa parceria especular de experimento cênico/plástico com a diretora Bel Kutner. E que encontra seu eco na visceral performance de Carolyna Aguiar, fazendo da originalidade do monólogo Lygia uma diferencial surpresa da temporada teatral.
Lygia. Dramaturgia/Direção Concepcional/Maria Clara Mattos/Bel Kutner. Com Carolyna Aguiar. Março/2024. Fotos/Leekyung Kim. |
Ainda que, desde 2019, já tenha passado por outras
apresentações em espaços cariocas mais alternativos, a começar na Região
Portuária, seguida por indicação de melhor dramaturgia no Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) pós temporada
na Paulicéia, em 2022, e, agora, de volta ao cartaz num mais tradicional espaço/palco do Rio.
Em postulação híbrida o espetáculo usa o espaço cênico (num
ideário do Studio Mameluca) sugestionando simultaneamente uma galeria de arte,
povoada por elementos plásticos/terapêuticos tridimensionais manipuláveis (conchas, pedras, sacos
plásticos, luvas, tesouras, barbantes), além dos celebrados Bichos, como referenciais de suas
criações para possibilitar, assim, a interatividade corpo a corpo com os espectadores.
Um verdadeiro exercício pedagógico e teatral propulsor de espontâneo
incentivo ao compartilhamento de atitudes criadoras que envolvem a personagem titular com a plateia, sob expansivos efeitos
luminares (Samuel Betts) que acentuam ainda a identificação indumentária (Andrea
Marques) bastante aproximativa da atriz com a artista e a personagem.
Criando um espetáculo/performance onde Carolyna Aguiar é a
própria Lygia Clark rediviva sob perceptível
psicofisicalidade e verdade interior irradiada em cada gesto. Transmutando-se em
dois tempos confessionais paralelos, no entremeio da explanação das suas teorias
estéticas seguidas pelo jogo teatral/plástico vivo com intuitos artísticos/curativos
a ser compartilhado com cada um dos presentes.
Em potencializado experimento teatral Lygia, resultante de um irrestrito
acerto no encontro vigoroso de tres destacados nomes femininos do universo cênico brasileiro
(Maria Clara Mattos, Bel Kutner e Carolyna Aguiar), sob a inventiva abordagem memorialista, dramatúrgica,
plástica e terapêutica, desta emblemática personalidade da arte brasileira.
Lygia Clark ou simplesmente Lygia configurando, enfim, um imersivo tributo capaz sempre de suscitar reflexões seminais e questionadoras
com olhar polêmico armado na contemporaneidade:
“Há muito a obra de
arte para mim é cada vez menos importante e o recriar-se através dela é que é o
essencial”...
Wagner Correa de Araújo
Lygia está em cartaz no Teatro Poeira/ Botafogo, terças e quartas, às 20h; até 24 de abril.
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