Fortaleza. José Pedro Peter/Dramaturgia. Daniel Dias da Silva/Direção Concepcional. Março/2024. Fotos/Roberto Cardoso Jr. |
O desafio que começa na transição entre os lúdicos momentos da
ingênua afetividade de uma amizade infantil, transmutando-se no despertar
conflituado da atração intimista com erotizada pulsão, entre dois adolescentes
em tempo escolar, direciona a reveladora e sensitiva abordagem, em safra da mais
recente dramaturgia carioca, titulada bem a propósito como Fortaleza.
Na estreia autoral de José Pedro Peter tendo como parceiro
performático Carlos Marinho, outro ator da nova geração, tendo ambos já uma bem inicializada
trajetória pelos palcos cariocas. E, aqui, sob o artesanal comando de Daniel
Dias da Silva, reconhecido por suas
sempre luminosas passagens atorais e
direcionais pelo universo teatral Brasil afora.
Numa narrativa marcada por um sotaque de contemporaneidade na
expressão da luta empreendida por um estudante de postura mais convicta – Bruno (José Pedro Peter) - sentindo haver
ali a reciprocidade da identificação sensorial entre dois corpos masculinos,
mesmo com a insegurança e o medo do outro colega apelidado como PH (Carlos Marinho).
Fortaleza. José Pedro Peter/Dramaturgia. Daniel Dias da Silva/Direção. Com José Pedro Peter e Carlos Marinho. Março/2024. |
Turbado este último pela perceptível prevalência do lastro de
rejeição para uma espécie de amor que o resistente conservadorismo da sua
família e do bullying na ambiência escolar, extensivos ao conservadorismo
do meio social, teimam em considerar como
proibido e abjeto. O que no seu futuro existencial há de lhe provocar um amargo
arrependimento e um intransponível complexo de culpa.
Levando-o, naqueles momentos confessionais de sua então trajetória
escolar, a se refugiar, questionado perante a dúvida e a aceitação, entre as
muralhas de uma “fortaleza”. Que, pelo ângulo de outro personagem, poderia
também sugestionar a irresistível e fortificada segurança de Bruno em afirmar-se na
sua assumida individualização sexual.
Em espetáculo despretensioso com seu singular minimalismo cenográfico
(Janaína Wendling e Paulo Denizot), preenchido apenas por uma espécie de utilitário
armário escolar com seus múltiplos significados. Sequenciado na indumentária
cotidiana (Humberto Correia) e nas luzes sombreadas (dúplice ideário de Paulo Denizot) ora vazadas ora focais, tudo,
enfim, convergindo para uma funcional mas,
ao mesmo tempo, imaginária ambientação cênica.
O talento de dois atores (Carlos Marinho e José Pedro Peter)
desdobrando-se em personagens sob diferenciais situações psicofísicas, no
acertado tom de gestualização das corporalidades (Marcelo Aquino). Transitando
junto com as palavras no descortino de uma
dramaturgia jovem de potencial maturidade que flui pela força sinérgica imprimida
pela direção de Daniel Dias da Silva.
Ampliada nas referências musicais anos 80/90, de Cazuza à
banda Oasis onde a canção Wondewall é capaz de inspirar um significativo recado reflexivo por intermédio de frases poéticas e incisivas como : “Eu
não acredito que alguém/ sinta o mesmo que eu sinto por você agora”.
Para tema tão necessário em tempos recentes de tanto
preconceito, a partir da regressão promovida por um ex --governo sustentado pelo
negacionismo e pela intolerância. Tanto no que se refere às seculares
conquistas político/filosóficas da liberdade de pensamento quanto à plena aceitação
da livre escolha da sexualidade...
Wagner Corrêa de Araújo
Fortaleza está em cartaz no Espaço Abu / Copacabana, de sábado a segunda, às 20h; até o dia 1º de Abril.
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