Gente de Bem. Dramaturgia inspirada em João Ximenes Braga. Adriana Maia/Direção. Dezembro/2023. Fotos/Bel Pedrosa. |
Quando o jornalista, escritor e roteirista João Ximenes Braga
publicou sua coletânea ficcional – Necrochorume
e Outros Contos – em 2021 quis, certamente, traçar um retrato sarcástico e sem nenhum
atenuante dos dramas e conflitos pequeno
burgueses de um País à beira de um processo de decomposição política e
retrocesso social.
Segundo seu ponto de vista, com a lúcida intenção não apenas
de denúncia mas especialmente com o desejo de “entender e reconectar o Brasil” de um pós pesadelo sob o assédio de
uma necropolítica. E que se estendeu dos círculos do poder à adesão
irresponsável daquela gente voltada
para seu mediocrizado "mundinho" e comprometida apenas com o seu próprio bem.
Nada surpreendente para um autor literário notabilizado por
temas provocadores a começar da própria titulação de seus livros – “Porra”, “A Mulher Que Transou com o Cavalo”,
“A Dominatrix Gorda” e este “Necrochorume e Outros Contos”, sem esquecer seu engajado olhar nas colunas da
imprensa extensivo ao seu diferencial enfoque como roteirista de novelas.
Sempre com seu ferino recorte no entorno da turbulência de uma época que, além do surto pandêmico, se caracterizou pelo conservadorismo negacionista e pelos riscos à democracia com declarados avanços neofascistas.
E que a Cia Comparsaria Teatral retoma em boa hora de alerta para traçar um panorama cênico de assumida mordacidade crítica da classe média brasileira, segundo os ditames assumidos pela antenada direção concepcional de Adriana Maia para Gente de Bem, esta peça nascida das páginas do livro de João Ximenes Braga.
Gente de Bem. Dramaturgia a partir do livro Necrochorume e outros Contos. Cia Comparsaria Teatral. Dezembro/2023. Fotos/Bel Pedrosa. |
Onde ela própria
integra os 13 atores de um qualitativo e compromissado elenco em dar este
tão necessário recado teatral, na alternância de personagens que transitam em
seis contos sinalizados por maus ou até suportáveis olfatos e sabores líquidos, em original procedimento narrativo/cênico com as nominações de Urina,
Café, Whisky, Esgoto, Asco e Soro.
Sustentando-se na integralidade identitária de um convicto cast atoral, o que torna difícil citar apenas alguns sem falar dos outros (Adriana
Maia, Anna Wiltgen, Cami Boer, Dadá Maia, Gilberto Goés, José Angelo Bessa,
Mariana Consoli, Miguel Ferrari, Pamela Alves, Stefania Corteletti e Xando
Graça).
Tal o empenho com que se entregam a esta representação
investigativa de burlescos e inconsequentes casos cotidianos de segmentos
sociais elitistas num caos urbano, sob o esteio dos preconceitos homofóbicos, misóginos e racistas
(incluídos negros e indígenas), ao lado de um prevalente fanatismo, tanto político quanto religioso.
Havendo, é claro, inevitáveis destaques possibilitados por certos
personagens mais incisivos como os de Xando Graça ou aqueles marcados pelo risível
e não menos asqueroso comportamental recessivo, na dialetação performática em quadro
feminino por Ana Achcar e Dadá Maia.
A caixa cênica despojada sendo preenchida apenas com o presencial dos
atores e a interferência de poucos elementos materiais, como a maquete de um prédio,
mesa e cadeiras. Com ocasionais mudanças de um funcional figurino (Nello
Marrese) ancorado no cotidiano e ressaltado por tonalidades psico ambientais propiciadas pelas luzes de
Anderson Ratto.
Com metafóricos referenciais literários a tipos submissos às
adversidades como o nordestino Fabiano (de Vidas Secas) ou ao escrivão mulato
Isaías Caminha (Lima Barreto) no seu
anseio de ser alguém entre os brancos. Ou à resistente vitimização das minorias indígenas, além dos gays aos negros, incluindo-se aí o crescente machismo homicida.
Tudo convergindo para uma reflexiva tragicomédia humana,
entre o livro e o palco, com um
proposital olhar politizado sobre as eternas contradições de um Brasil de ontem e de hoje, refletido na corajosa exposição dramatúrgica desta “gente que se acha do bem”.
E, especularmente, extensiva ao compromissado descortino palco/plateia da urgente conscientização dos que pensam diferente do rancoroso e atávico preconceito de nossa última classe governamental...
Wagner Corrêa de Araújo
Gente de Bem está em cartaz no Teatro III/CCBB, de sexta a segunda feira, às 19h. Até o dia 18 de dezembro.
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