Carlota-Focus Dança Piazzola. Alex Neoral/Concepção coreográfica. Julho/2023. Fotos/Cristina Granato. |
Antecipando a celebração em 2024 de suas três décadas de
incursões cênicas, sob um permanente signo de buscas inventivas para a dança
contemporânea em moldes brasileiros, Alex Neoral está de volta com a Focus
Cia de Dança. Através de mais uma obra inédita do ofício criador multifacetado
deste idealizador, diretor e coreógrafo, titulada muito a propósito como Carlota - Focus Dança Piazzola.
Desta vez, além da data comemorativa, prestando um tributo a
quatro nomes femininos impulsionadores da sua formação artística/profissional
como bailarino e para seu futuro como coreógrafo. Por intermédio de suas passagens no Grupo Tápias de Giselle Tápias, na Cia Nós da Dança de Regina Sauer, na Cia Vacilou Dançou de Carlota Portella e
na Cia Déborah Colker.
Com outro original dimensionamento para cumprir, assim, um desejo de
Alex Neoral de criar um espetáculo coreográfico/musical onde as onze composições
de Astor Piazzola são usadas, além do
propósito de homenagem e gratidão, sob um substrato temático/gestual capaz de inspirar
expressiva obra para nove bailarinos.
Plena de energia, sensualidade e paixão remetendo à memória da obra precursora na revelação do
fascínio que o novo tango passou a excercer no universo da dança contemporânea.
Estamos falando de Piazzola Caldera
que Paul Taylor, em 1997, direcionou
à sua Cia, e que os cariocas tiveram o privilégio de ver, há exatos oito anos,
no palco da Cidade das Artes.
Transmutada sequencialmente nas diferenciais releituras coreográficas deste gênero
musical/dançante por alguns dos mais conceituados nomes europeus, latinos e
brasileiros, estendendo-se a abordagens filmicas emblemáticas como o Tango de Carlos Saura e, agora, passando a integrar também o repertório de Alex Neoral, um dos nomes básicos de nossa dança contemporânea.
Carlota-Focus Dança Piazzola. Alex Neoral/Concepção coreográfica. Julho/2023. Fotos/Cristina Granato. |
A partir da realização do sonho num enfoque coreográfico no entorno fascinante do acervo composicional de Piazzola, capaz
sempre de impressionar o público e a
crítica com sua envolvente fusão de acordes neoclássicos e ritmos jazzísticos,
tradição e modernidade, longe da prevalência do mero apelo folclorista como era
conhecido até então o tango argentino.
Onde, na pulsão de mais uma das surpreendentes criações de
Alex Neoral, o seu sensitivo e ao mesmo tempo crítico olhar decifrador dos
mistérios da arte coreográfica, é assumido outra vez com empenho, espírito
inventivo e bom gosto para um elenco de nove excepcionais bailarinos (Bianca Lopes, Carolina
de Sá, Cosme Gregory, Letícia Tavares, Lindemberg Malli, Natanael Nogueira,
Paloma Tauffer, Vanessa Fonseca e Wesley Tavares).
Em ambientação cênica (Natália Lana) de singular design artesanal, funcionando como um
teto/cobertura que centraliza o palco/arena e, imageticamente, servindo de
suporte plástico a uma envolvência de passionalidades, na trajetória destas “quatro estações portenhas”. Ressaltadas sempre no diversificado e emotivo apelo visual provocado pelas modulações
luminares de Anderson Ratto.
Com belos figurinos (Maria Osório) na transparência de malhas
colantes, sob matizes pictóricos, e pantalonas
de tecidos esvoaçantes, sem quaisquer preocupações de caracterizar apenas o
masculino ou o feminino, mas identificando hibridamente bailarinos e bailarinas
numa só corporeidade sensorial.
Priorizando uma movimentação em grupos, duos e solos, apoiada
numa expressiva psicofisicalidade que exorbita a qualidade técnica dos nove
bailarino ficando dificil sublinhar destaques individuais frente à convicta unicidade
da entrega integral à performance.
Instigante no olhar visionário de Alex Neoral que longe
daquele tango melancolizado de pés no chão, num seguimento ao conceitual deste “nuevo tango” moldado para sentir e pensar,
faz fluir um gestual balético ao lado da energizada gestualidade de sotaque
contemporâneo.
Numa corporeidade que referencia a tradição do tango nos
casais abraçados enquanto, impulsionados pela moderna sonoridade/guia de um bandoneón, vai descortinando em
movimentos sincopáticos de circularidade grupal, uma escala de corpos em
conexão, altaneiros ou atirados ao chão, como se estivessem todos, armados com
mágicas adagas, a “torear en la plaza”
coreográfica.
Para Astor Piazzola, na síntese de uma frase de Jorge Luis Borges estava o segredo do emblemático processo da criação: “Em uma gaveta de minha escrivaninha, uma adaga sonha seus sonhos de tigre”. Com Carlota-Focus Dança Piazzola, Alex Neoral e sua incrível trupe, afinal, transubstanciam num imersivo e potencial corpo cênico/coreográfico, este elo inspirador que unia a genialidade daqueles dois artistas “hermanos”...
Wagner Corrêa de Araújo
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