FOTOS / DALTON VALÉRIO |
No seu livro “O Óbvio e o Obtuso” Roland Barthes esclarece a retórica da natureza linguística da imagem
através da palavra contextualizada literariamente.
De perceptível extensão também à textualidade teatralizada, na absoluta autonomia da opção de ser apreendida visualmente, além de escrita tipográfica ou livresca, com um significado dramatúrgico.
De perceptível extensão também à textualidade teatralizada, na absoluta autonomia da opção de ser apreendida visualmente, além de escrita tipográfica ou livresca, com um significado dramatúrgico.
Audível não só pela vocalização do ator mas também suscetível
ao alcance do olhar do espectador, como verbalização
mimetizada na fisicalidade da performance. Não importando se esta comunicação gestual possa se refletir
tanto como conteúdo especular da realidade ou como um discurso intratextual, de
caráter metafórico, na sintonização mental ator/espectador.
Desde as primeiras incursões da atriz e diretora Ana Kfouri no universo da palavra
representada, ela sempre surpreendeu por seu provocativo desvendamento sensorial
do que está por trás e além do sentido semântico
e semiótico da linguagem potencializada cenicamente.
Seu primeiro deslumbre midiático foi quando atuou, de forma
absolutamente diferencial, como apresentadora do programa Caderno 2, da então TVE/RJ. Uma dinâmica agenda cultural diária dos
anos noventa, cujo formato inovador se tornou mais visceral na forma
performática que Ana Kfouri imprimia à abertura e à chamada de cada matéria do
programa.
Daí em diante, ela desenvolveu um sólido e inventivo oficio, tanto
de intérprete como de encenadora, destacando-se de forma singular por seus
espetáculos solo focados principalmente nas releituras de Beckett. Tendo também se
notabilizado pela escolha de obras de autores com prevalente processo
investigativo da linguagem.
Como este recorte dramatúrgico de um livro do escritor francês
Christian Prigent titulado Uma Frase Para Minha Mãe. Aqui, ela está de volta em
outra de suas atuações e comandos conceptivos e diretoriais, a partir de uma
acurada tradução/adaptação de Marcelo Jacques de Moraes e com o precioso suporte artístico de Márcio Abreu.
Resultando em espetáculo, quase de ambiência ritualística, na sua absoluta concisão cenográfica (André Sanchez), com o uso de praticáveis de madeira
espalhados, aletoriamente, num espaço arena e servindo, ainda, como assentos
para os espectadores.
Entre os quais ela circula de forma alterativa, sublinhada em
pontos focais por um funcional desenho de luz (Paulo Cesar Medeiros) entre
sombras e no entremeio de projeções textuais. Pontuando o silêncio e as pausas, na ausência de trilha, com as sonoridades
fonológicas e modulações prosódicas de suas intervenções vocais.
Em sequenciais recursos técnicos de primeira ordem para
estimular a progressão de um texto difícil (Uma
poesia culpada de prosa, em definição autoral), cujo experimentalismo acirrado, mesmo sob iminente risco do hermético, não consegue
impedir a sua expansão em cena e a adesão cúmplice do público.
Numa pulsão cênico/interpretativa com tal intensidade expressiva e investimento
estético, capaz até de ecoar, como referencial reflexivo, a emblemática frase de Clarice Lispector – “Procuro para cada palavra o estalar
inconsciente de um sentimento cruciante”.
Onde o irônico contraponto crítico no dimensionamento psicológico
de matéria linguística, tratada como work in process para uma despretensiosa tematização coloquial
de afeto familiar mãe<>filho, acaba fazendo deste espetáculo um bravo
instante da temporada.
Wagner Corrêa de Araújo
UMA FRASE PARA MINHA MÃE, em nova temporada no Espaço Cultural
Sérgio Porto/Galeria/ Humaitá, sábado e domingo, às 21h. 70 minutos. Até 9 de
dezembro.
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