“Como sou infeliz! Que sofrimento
o meu, desventurada! Ai de mim! Porque
não morro”. Este é o grito da desesperança de uma estrangeira sem raízes, no
não lugar que lhe atribuiu o destino,
de um amor vitorioso que a torna vítima da exclusão e do desprezo de seu homem
Jasão.
Sob este estigma da dor e do aviltamento de sua condição de
mulher, a Medéia trágica de Eurípides,
usa do seu ofício de sortilégios para a
vingança de sua paixão fissurada, no flagelamento assassino dos frutos filiais
deste casamento infeliz.
E é este relato de aporte mítico, que ecoou no compasso clássico de Eurípides e
Corneille às suas retomadas sob o olhar
da contemporaneidade( Anouilh, Pasolini, Paulo Pontes/Chico Buarque),que
impulsiona a releitura terceiro milênio de Grace Passô em Mata Teu Pai.
Aqui, a rebeldia desta Medéia
nativa transubstancia-se no ressentimento, na denúncia e na reflexão sobre o não
pertencimento, nesta, enfim, falaz
solução da crise migratória no lugar nenhum (na referência presencial de mulheres sírias, cubanas,haitianas, israelitas).
Ou nas prevalentes
marginalizações do feminino num tempo além do tempo, na transitoriedade de vidas
provisórias digladiando-se pela constância de seus intrínsecos idealismos.
Em tons confessionais, esta Medéia( Débora Lamm) impõe, desde a inicialização de seu percurso dramatúrgico, o
inconformismo no eco de seu desabafo pela convocação à cumplicidade coletiva : Preciso que me escutem.
Ainda que lhe façam companhia cênica as 12 mulheres idosas (as "Meninas da Gamboa"), não assumem a
sua dor ( repetindo a postura do coro grego na tragédia original),replicando
apenas em gestos de distanciada afetividade , entrecortados por incidentais acordes
vocais sambistas.
Uma arquitetura cenográfica (Mina Quental) em demolição sob
sombras e luzes(Nadja Naira/Ana Luzia de Simoni), indumentária de nuances
atemporais(Sol Azulay) e incisivas incidências sonoras(Felipe Storino)
acentuam o clima de desalento e proscrição do papel protagonista.
Onde Débora Lamm segura as marcações , ora entre enérgicos recortes
dramáticos ora em introspectiva loquacidade, numa fisicalidade emotiva de remissão da auto-estima
de sua personagem ferida, com domínio absoluto nos contornos da representação.
Ainda que em sua textualidade autoral Mata Teu Pai não alcance o mesmo impacto do contraponto inventivo
de Vaga Carne ( singularizada criação autoral de Grace Passô), o convicto dimensionamento diretorial de Inez Viana garante, com verdade interior, um jogo dramatúrgico vivo.
Capaz, assim, no seu artesanal confronto de densidade estética
e exacerbação sensorial, de fazer de Mata Teu Pai mais um espontâneo e irreverente discurso teatral contra as
adversidades da alma feminina.
Wagner Corrêa de Araújo
MATA TEU PAI está em cartaz no Espaço Sérgio Porto, sábado e segunda, às 21h;domingo, às 20h. 60 minutos. Até 30 de janeiro.
Mata Teu Pai, de volta ao cartaz, no Teatro Poeira, de quinta a sábado, às 21h;domingo, às 19h. 60 minutos. Até 29 de outubro.
Mata Teu Pai, de volta ao cartaz, no Teatro Poeira, de quinta a sábado, às 21h;domingo, às 19h. 60 minutos. Até 29 de outubro.
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