FOTOS/ LIGIA JARDIM |
“Não. O mestre do barco parou os motores e disse. Oh, uma
ilha. O contramestre disse. De fato, é uma ilha. Ele disse: O que faremos? O
contramestre disse: Vamos saltar. O mestre então contou um, dois três e deu um salto.
No mesmo lugar...’’
Através da constatação risível do personagem/guia Sargento Evilázio,o Barco(Roberto Borenstein) , a metafórica simbologia
de vidas ao léu, indo e vindo, como ondas flutuantes, batendo em tudo e
contra todos. Diante de uma passarela/cais, com sua estática embarcação, especular
logradouro de ancestralidades geracionais.
Reféns de afundamentos e salvações, nas passagens
dramatúrgicas entre uns e outros, mas num mesmo lugar, nas acontecências de um
cenográfico ancoradouro e seus
transeuntes de marítimas indumentárias( em dupla concepção de Chris Aizner) numa
verídica Ilha Grande.
Numa teatralidade de fragmentária cronologia marcada apenas pelas
comemorações , adeuses e augúrios das passagens de ano novo. E inspirada pelas líricas
trajetórias de vivos acordes musicais, nas instrumentalidades de Bruno Menegatti
e Tadeu Mallaman, sob as luzes ambientalistas de Alessandra Domingues.
E é nesta impassibilidade de estarem seus personagens à
deriva sempre, no cruzamento do inventário familiar de três gerações, que transcorre a trama, entre tons épicos e relatos orais, da peça “Cais ou Da Indiferença das Embarcações”.
Com sua memorialista escrita,entre a poesia e o caos,
do júbilo à aridez dos embates de vidas e mortes, numa proposta de dúplice
descortino autoral e diretorial (Kiko
Marques) . Que também, no ofício de intérprete, junto à sua já prestigiosa A Velha Companhia, revela a
solidez de um teatro, de perceptível
competência artesanal e eficaz dimensionamento psicológico.
Corajosa incursão dramatúrgica de três horas de duração para um
jovem criador, sustentada pela maturação de seis anos para um primoroso
resultado final. E que, afinal, lhe tem
valido inúmeras premiações, o aplauso crítico e a adesão entusiástica do
público, desde sua première em 2012.
Incluindo-se os músicos, o elenco de catorze integrantes dá
uma lição de organicidade na entrega às suas personificações, feita com sinceridade emotiva e verdade interior.
Tão irradiante no gestualismo elegante das presenças
femininas como enérgica, tanto nas
irreverências como nas postulações introspectivas de cada ator.
Na impossibilidade de nomeações individuais,em espetáculo de expectativas por outra surpresa na performance
seguinte, todos , enfim, sem artificialismos, conduzem seus personagens com espontânea
e convicta envolvência sensorial.
E é, neste instintivo coloquialismo e na autenticidade de sua
pulsão do cotidiano, que se estabelece um emotivo jogo teatral palco/plateia. De
identificação reflexiva com as chegadas
e partidas, os começos e os fins, nos
cais destinados às viagens/vidas de cada um de nós.
Wagner Corrêa de Araújo
Wagner Corrêa de Araújo
CAIS OU DA INDIFERENÇA DAS EMBARCAÇÕES está em cartaz no Espaço Sesc/Copacabana, de quinta a domingo, às 19 h;sessão extra, sábado, às 15h30m. 180 minutos. Até 15 de janeiro.
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