17º PRÊMIO TEATRAL APTR (2022) : LISTA DE INDICADOS PELO JÚRI

 

Ficções. Rodrigo Portella/Dramaturgia e Direção. Com Vera Holtz. Com oito indicações. Abril/2023. Foto/Alê Catan.



Por intermédio da APTR (Associação dos Produtores de Teatro) e através de seu júri, integrado por significativos nomes ligados à cena teatral e à cultura carioca tais como Beatriz Radunsky, Carmen Luz, Daniel Schenker, Lionel Fischer, Macksen Luiz, Tânia Brandão e Wagner Corrêa, além da reconhecida competência da Comissão Organizadora do Prêmio. Sempre com o incentivo do produtor cultural Eduardo Barata, à frente da iniciativa desde o seu ideário e sequencial realização há mais de uma década e meia.

A cerimônia de premiação acontecerá no Teatro Prudential/Glória, no próximo dia 06 de junho. Com o lançamento de uma nova categoria – Homenagem a Uma Grande Atriz Brasileira – e de uma campanha em prol de uma tradicional instituição artística. Comemorando ainda os 20 anos de criação da APTR – Associação de Produtores de Teatro.

Entre os mais votados estão a peça “Ficções, de Rodrigo Portella, com oito indicações, incluindo melhor espetáculo, direção/texto (Rodrigo Portella) e atriz em papel principal (Vera Holtz), mais música, iluminação, figurino e cenografia. Seguido de “Morte e Vida Severina”, de Luiz Fernando Lobo, com seis indicações, a saber : espetáculo, direção, música, iluminação, figurino e cenografia.

 

    Morte e Vida Severina. Cia Ensaio Aberto. Direção Luiz Fernando Lobo. Com seis indicações. Abril/2023. Fotos/Renam Brandão/Thiago/Gouveia.


Veja a lista completa de indicações:

Espetáculo

'Enquanto você voava, eu criava raízes'

'Ficções'

'Morte e Vida Severina'

'Sem palavras'

'Uma Revolução dos Bichos'

 

Direção

Bruce Gomlevsky — 'Uma Revolução dos Bichos'

Luiz Fernando Lobo — 'Morte e Vida Severina'

Marcio Abreu — 'Sem Palavras'

Renata Tavares — 'Nem Todo Filho Vinga'

Rodrigo Portella — 'Ficções'

 

Autor

Flavio Marinho — 'Judy - O Arco-Íris é Aqui'

Henrique Fontes e Vinicius Arneiro — 'Peça de Amar'

Marcio Abreu e Nadja Naira — 'Sem Palavras'

Miriam Halfin — 'O homem do planeta Auschwitz'

Rodrigo Portella — 'Ficções'

Tauã Delmiro — 'As Metades da Laranja'

 

Ator em papel protagonista

Lucas Drumond — 'Órfãos'

Mario Borges — 'O Homem do Planeta Auschwitz'

Robson Torini — 'Tráfico'

Thelmo Fernandes — 'Dignidade'

Tiago Barbosa — 'Clube da Esquina - Os Sonhos Não Envelhecem'

 

Atriz em papel protagonista

Ana Carbatti — 'Ninguém Sabe meu Nome'

Deborah Evelyn — 'Três mulheres altas'

Denise Fraga — 'Eu de você'

Luciana Braga — 'Judy - O Arco-Íris é Aqui'

Vera Holtz — 'Ficções '

 

Ator em papel coadjuvante

Ary Coslov — 'A última ata'

Bruno Quixote — 'A Vida não é justa'

Cláudio Mendes — 'Tudo'

Ernani Moraes — 'Órfãos'

 

Atriz em papel coadjuvante

Analu Prestes — 'A última ata'

Carmen Frenzel — 'O Balcão'

Dany Barros — 'Tudo'

Lilian Valeska — 'Marrom - O Musical'

Marya Bravo —'Clube da Esquina'

 

Jovem talento

Cadu Libonati — 'Clube da Esquina - Os sonhos não envelhecem'

Elenco jovem do Tablado no musical juvenil 'Cálice'

Lucas Popeta — 'Olhos da Pele'

Mateus Amorim — 'A Jornada de Um Herói'

Yumo Apurinã —O Balcão

 

Direção de movimento

Gabriela Luiz — 'Nem Todo Filho Vinga'

Kenia Dias — 'Sem palavras'

Lavinia Bizzoto — 'Bu'

Regina Miranda — 'Olhos da Pele'

Toni Rodrigues — 'Tudo e Tráfico'

 

Música

Claudia Elizeu e Wladimir Pinheiro — 'Vozes Negras - A Força do Canto Feminino'

Federico Puppi — 'Ficções' e 'Enquanto você voava, eu criava raizes'

Guilherme Terra — 'Marrom - o musical'

Itamar Assiere — 'Morte e Vida Severina'

Liliane Secco — 'Judy - O Arco-Íris é Aqui'

 

Iluminação

Artur Luanda Ribeiro — 'Enquanto Você Voava Eu Criava Raízes'

Bernardo Lorga —'Tráfico'

Cesar de Ramires — 'Morte e Vida Severina'

Paulo Cesar Medeiros — 'Ficções'

Sarah Salgado —' Crime e Castigo 11:45'

 

 

Figurino

Beth Filipecki e Renaldo Machado — 'Morte e Vida Severina'

Fábio Namatame — 'Barnum'

João Pimenta — 'Ficções'

Ligia Rocha, Jemima Tuany e Marco Pacheco — 'Marrom - O Musical'

Wanderley Gomes — 'Vozes Negras'

 

Cenografia

Artur Luanda Ribeiro e André Curti — 'Enquanto você voava, eu criava raizes'

Bia Junqueira — 'Ficções'

J.C.Serroni — 'Morte e Vida Severina'

Natália Lana – 'Órfãos'

Rogério Falcão — 'Barnum'


Enquanto Você Voava, Eu Criava Raízes. Cia Dos a Deux. Com quatro indicações. Abril/2023. Foto/Renato Mangolin.

 

O TEMPO E A SALA : SOB O COMPASSO DO DESCONEXO E VAZIO RITUAL DAS RELAÇÕES SOCIAIS


O Tempo e a Sala. De Botho Strauss. Direção/Leandro Daniel. Abril/2023. Fotos/Humberto Araújo.



Criar figuras para o teatro é sempre criar um esboço e uma alusão. A minha dificuldade em criar caracteres deve-se simplesmente ao fato de eu não ter nenhum conceito de individuo... Não me interessa como uma figura isolada é constituída, interessa-me aquilo que tem caráter transindividual”. Nesta reflexão autoral está perceptivelmente inserido o contexto estético da criação dramatúrgica do alemão Botho Strauss, classificando-o como um dos mais lídimos representantes do chamado Realismo Fantástico no universo cênico. 

Em suas quatorze peças – algumas delas já apresentadas nos palcos brasileiros como a memorável versão de Celso Nunes para Grande e Pequeno, 1985, com especial destaque na performance de Renata Sorrah - há uma prevalência de enigmáticos personagens que aparecem e desaparecem em questionadores entrelaces com os comparsas da cena, como se coexistissem num estranho processo de afogamento e flutuação.

Esta característica marca os nove personagens de O Tempo e a Sala que chega ao Rio, depois de uma instantânea temporada no recente Festival de Teatro de Curitiba, reunindo um elenco múltiplo, incluídos quatro autênticos paranaenses - Simone Spoladore, Rodrigo Ferrarini, Maureen Miranda e Leandro Daniel, este em dúplice atuação como ator e diretor. Completando-se a trupe com os nomes de Adriana Seiffert, Bia Arantes, Daniel Warren, Jandir Ferrari e Rafa Sieg.

A ambientação cenográfica realista (Fernando Marés),  sugestionando uma  sala com portas laterais, quatro grandes janelas frontais e alguns móveis, é dimensionada por uma estranha coluna; e dali ecoará uma metafórica fala em off (na voz de Leticia Spiller) com uma pegada de teatro do absurdo. Havendo um reiterativo e fugaz entra e sai dos atores em indumentárias cotidianas (Ana Avelar), sob uma luminosidade sombreada (Adriana Ortiz), no entremeio de ocasionais intervenções sonoro/musicais (Edith de Camargo).

Já na primeira cena estabelecendo-se uma dialetação quase monologal dos moradores Julius e Olaf sobre o paisagismo citadino visto do alto de um segundo andar de um velho predio, insinuando a sufocante rotina que perpassa o dia a dia dos transeuntes lá fora, ao lado de um referencial de que teria havido um encontro temporal/espacial de conhecidos, ali entre aquelas quatro paredes, na noite anterior.


O Tempo e a Sala. De Botho Strauss. Nove afinados atores sob a direção de Leandro Daniel. Abril/2023. Fotos/Humberto Araújo.  

Sucedendo-se, sequencialmente com toques da campainha, o aparecimento súbito de inquietos personagens, marcados pelo estranhamento da que representaria uma espécie de papel guia nesta misteriosa e descontínua galeria de tipos dramaturgicos peculiares - Marie Steuber. Em convicta representação de Simone Spoladore, com simbólicas falas e sensoriais atitudes, na busca de liames com as ações dos outros parceiros deste desconcertante jogo no entorno da condição humana.

Sublimado apenas pelas tentativas desta personagem de superar, com particularizadas lembranças de passagens existenciais, a carência afetiva daqueles seres mergulhados no abismo de suas insatisfações e na reclusão de seus silêncios. E não por acaso, a peça pouco após a sua estreia original, foi dirigida por Ingmar Bergman numa sensitiva identificação com seu universo fílmico.

No direcionar-se de tudo à artificialidade e ao nonsense das enunciações de cada um daquelas figuras, privilegiando um ensimesmar-se psicológico com sintomática desdramatização isolacionista como se não existissem os outros. Correspondido aqui numa segura direção concepcional de Leandro Daniel para um elenco que se entrega, energizado, ao desafio de uma partida provocadoramente antilúdica .

No confronto de sua desintonização da literalidade dramática, entre um humor subliminar e seu sotaque de absurdo, sendo capaz de incomodar com o significado de sua insípida verdade do mais desatento ao mais alienado dos espectadores. Em clima delirante que conecta o desespero, a melancolia e o tédio na tessitura de uma assumida narrativa fragmentária,  ampliada pelo niilismo burlesco de um quadro de seres náufragos, tomados pela opressão da incomunicabilidade entre eles à espera de um impossível resgate.

Sintetizado, sobremaneira, no desespero emotivo das emblemáticas palavras terminais de sua personagem condutora: “A quem eu não tive que me adaptar!... Não sobrou nada. De nenhum. Rastro algum. Foi saudável. Aquilo que eu lá segurei com força, lá eu deixei: aquilo que eu sou...”

                                            Wagner Corrêa de Araújo



O Tempo e a Sala está em cartaz no Teatro Sesi/Firjan, quinta e sexta, às 19h; sábados e domingos, às 18h. Até 14 de maio.

O CASO : PARA RIR OU SE ENTEDIAR NUM DIVÃ LACANIANO ENTRE O TEATRO E A VIDA

O Caso. De Jacques Mougenot. Direção Fernando Philbert. Abril/ 2023. Fotos/Guga Melgar


O medo do tédio é o medo da morte” já dizia Freud na abordagem de um dos pontos nevrálgicos com que se defronta a condição humana diante da perspectiva inescapável de sua terminalidade. E ao seu ideário adicione-se o pensar de Schopenhauer, Kierkegaard, Adorno, Heidegger, não se podendo esquecer que além da filosofia, o vazio e o nonsense da vida está claramente sinalizado no absurdo conceitual do teatro de Beckett.

Não há como escapar de uma neurose que se tornou marca registrada do homem contemporâneo - o sufocante tédio cotidiano que leva aos consultórios terapêuticos por uma quase sempre inalcançável saída. E é com este tema que o dramaturgo francês Jacques Mougenot brinca na pulsão do lúdico puro e simples, com refinado humor e intrigante confronto mental, em sua peça O Caso (do original, Le Cas Martin Piche).

E que chega, em boa hora, aos palcos brasileiros. Depois de tantas adversidades, entre a obrigatória reclusão pandêmica e as discrepâncias da (des)governança de um pretenso mito, não é nada difícil encontrar quem passou a achar que a nossa realidade chegara a se tornar, naquela terrível mesmice, um protótipo do entediante.  

É assim que se identifica aquele paciente em busca de um acolhimento terapêutico com uma analista psiquiátrica. Mostrando que tem muito de cada um de nós e sendo capaz de suscitar o burlesco a partir de seu incômodo tormento, insistentemente inexplicável neste seu achar que o mundo só se explicaria mesmo através de sua insana chatice.

Levando-o a se refugiar no divã psicanalista enquanto  espera qualquer diagnóstico para a eternidade ancestral deste mal du siècle, maçante e cansativo, com seu presságio de resistente inderrogabilidade. Com um incrível senso visionário para a simbologia da peça, na versão original da estreia em 2018, o paciente/personagem era o próprio dramaturgo (Jacques Mougenot), em dúplice atuação autoral e performática.

O Caso. De Jacques Mougenot. Com Letícia Isnard e Otavio Müller. Abril/2023. Fotos Guga Melgar.

Já, aqui, na cena teatral carioca, na plena convicção do paciente que é Otavio Müller e da médica ser Leticia Isnard, funcionalmente portando indumentárias cotidianas (Carol Lobato), enquanto Fernando Philbert assume o comando concepcional do espetáculo. Em precisa artesania que se destaca pela  sintonização de sua proposta dramatúrgica, do riso crítico à ironia mordaz, entre o paradoxo de um psicologismo onirista e o inesperado da revelação final.

Onde a caixa cênica (mais uma das acertadas invencionices de Natália Lana), num quase suporte de instalação plástica, referencia uma sala de consulta clínica tendo como construtivista paisagem frontal o metafórico sugestionamento de um destes jogos de armar com peças que se encaixam umas nas outras, tudo ressaltado sob a prevalência dos efeitos luminares vazados de Vilmar Olos.

A trama narrativa já provocando a reação bem humorada do público com a entrada na cena do cabisbaixo personagem masculino portador de risível  comportamento psicótico. Aquele típico chato que não deixa de ser um fingidor, ao se carregar da síndrome dos tediosos com suas nuances reiterativas de tensão, em assumida caracterização naturalista de Otávio Müller com apurada verve cômica.

Enquanto Letícia Isnard como a neuropsiquiatra preenche, por intermédio de envolvente espontaneidade, a busca da compreensão das atitudes irracionais do paciente com técnica dosada e irradiante vocalização que alcança cada espectador, numa interpretação terapêutica de cativante alcance coletivo.  

Cabendo mais uma vez a Fernando Philbert, com sua habitual competência na arquitetura da representação dramática, conduzir outro personagem provocador de Mougenot. Na continuidade reveladora de seu processo dramatúrgico do Escândalo Philippe Dussaert, sendo direcionado novamente a uma inusitada virada do jogo teatral.

Entre a comédia e a reflexão, podendo-se conectar O Caso sobre o marasmo cotidiano à causa do tédio que nos assola, tudo quem sabe se resumiria nas oportunas palavras de Theodor Adorno : “Se as pessoas pudessem decidir sobre si mesmas e sobre suas vidas, se não estivessem encerradas no sempre igual, então não se entediariam...”

 

                                        Wagner Corrêa de Araújo

 

O Caso está em cartaz no Teatro das Artes, Shopping da Gávea, sexta às 21h; sábado, às 20h; domingo, às 19h. Até 30/04.

UMA MULHER AO SOL : SENSORIAL MERGULHO NOS ABISMOS MENTAIS DE UMA ESCRITORA

Uma Mulher ao Sol. Direção concepcional/Ivan Sugahara. Março/2023. Fotos/Dalton Valério.


No último Festival de Avignon, em julho de 2022, duas cias brasileiras ali presentes abordaram os conflitos opressivos da homossexualidade reprimida (Tom na Fazenda) e os desvarios de uma mente feminina submetida às sórdidas formas de antigo tratamento manicomial (Uma Mulher ao Sol). Enquanto a primeira era dirigida por Rodrigo Portela, a partir de um texto do dramaturgo canadense Jean Marc Bouchard, a segunda tinha o comando concepcional de Ivan Sugahara, num dúplice projeto dramatúrgico com a atriz Danielle Oliveira, inspirado na obra da escritora e jornalista mineira Maura Lopes Cançado.

Com dois livros publicados sobre suas experiências confessionais das então absolutamente temíveis internações, pelas quais passou na quase integralidade de sua conturbada trajetória existencial, em aviltantes instituições e seus violentos tratamentos de distúrbios psiquiátricos. Embora tivesse integrado a brilhante geração editorial do referencial suplemento literário do Jornal do Brasil, ao lado de nomes como Reynaldo Jardim, Carlos Heitor Cony e Ferreira Gullar, seu maior legado como escritora ficou primordialmente com a obra Hospício é Deus .

De grande simbologia à época como desafiante denúncia dos radicais e humilhantes sistemas clínicos a que eram submetidos os internos, especialmente a corporeidade feminina e seu livre arbítrio, numa extensiva turbação de qualquer empoderamento do movimento libertário da mulher diante da prevalência do domínio machista. Marcada como foi por surtos delirantes desde a infância e a adolescência, incluído o pesadelo de assédios sexuais condutores a uma prematura gravidez aos 15 anos. O que a leva, no entorno de bem sucedida carreira jornalística, à sua iniciativa da busca de internações das quais jamais conseguirá escapar.

Em ideário surgido da convivência domiciliar de Ivan Sugahara com as duas atrizes Danielle Oliveira e Maria Augusta Montera durante o sufocante isolamento à causa do surto pandêmico. Numa espécie de reflexo especular comparativo da vivência privada de reclusão entre quatro paredes e o aprisionamento dos manicômios, a partir das sofridas reflexões de Maura Lopes Cançado. Na estruturação de um teatro absolutamente fisico de apelo coreográfico, sem incidências de vocalização verbal das atrizes, através de uma envolvente narração em off com passagens elucidativas da narativa original da autora de Hospício é Deus.


Uma Mulher ao Sol. Com Danielle Oliveira e Maria Augusta Montera. Março/2023. Fotos/Dalton Valério.

E onde, através da transcrição dramática como Uma Mulher Ao Sol, o fluxo dos processos da consciência mental em estado de pânico é transmutado em emblemático ritual de horrores advindos da punição à insana consciência de duas mulheres em única voz e numa mesma personagem. Com minimalista ambiência cenográfica (Cristina Novaes/Renata Pittigliani) de tempo e espaço, preenchida apenas por simbólicos elementos de sugestionamento de um hospício.

Incluído, aí, um figurino básico (Joana Lima Silva) com prevalência imagética da branquitude tonal portada pelos internados. Belamente metaforizada na passagem da longa cauda de um vestido para representar a loucura da Ofélia shakespeariana, confrontando-se com instantâneas cenas de despojamento indumentário, ressaltadas pela  afinada iluminação de Alessandro Boschini.

Seja num formato ou no outro, imprimindo sempre uma sensitiva e tocante gestualidade pela mimetização de movimentos (Dani Cavanelas) de uma corporeidade que dança, na plena sintonia das duas atrizes/bailarinas, a textualidade ouvida em off. E completada nos acordes de uma funcional trilha fragmentária (Marcelo H), no entremeio de silêncios, ruídos e citações de antológicas canções populares.

Sob um instigante comando diretorial e a luminosidade performática de duas atrizes, Uma Mulher ao Sol conceitualiza um teatro de sotaque artaudiano capaz, enfim, de expressar, em seu cruel onirismo, o desalento de um personagem com alma e sangue...

 

                                          Wagner Corrêa de Araújo

 

Uma Mulher ao Sol está em cartaz no Teatro Poeirinha/Botafogo, de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h. Até 30 de abril.

PRAZER, HAMLET : UMA TRANSGRESSORA RELEITURA METALINGUÍSTICA DO ICÔNICO PERSONAGEM

Prazer, Hamlet. Direção/Ciro Barcelos. Com Rodrigo Simas. Março/2023. Fotos/Ronaldo Gutierrez.


Nas duas últimas décadas os palcos cariocas mostraram pelo menos umas cinco polêmicas incursões dramatúrgicas no entorno do mítico personagem shakespeariano. Como foi o caso do Hamlet Processo de Revelação (Emanuel  Aragão), Hamlet ou Morte, do Grupo Os Trágicos, Ensaio Hamlet (Enrique Diaz), mais o Hamlet (Wagner Moura) de Aderbal Freire Filho, além de uma versão inglesa para atores de cinco continentes de Dominic Dromgoole, através do Shakespeare’s Globe Theatre.

A partir do registro de críticas autorais no blog Escrituras Cenicas sobre estes espetáculos, retomo aqui algumas referências possibilitadas por estas versões com o olhar armado na contemporaneidade para introduzir a mais recente delas - PrazerHamlet - em processo monologal com o ator Rodrigo Simas, sob a direção concepcional de Ciro Barcelos.

Hamlet na sua resistência atemporal foi sempre além de seu universo originário com a sua problemática existencial. O que o distancia do paradigma do clássico herói grego comandado, indelevelmente, pelas forças de um destino superior. Enquanto o personagem shakespeariano é desafiado e derrubado pelos conflitos de sua própria subjetividade e de sua dúvida anti-heroica ainda que pela pulsão de uma força fantasmagórica.

E nisto reside certamente sua permanente atualidade, pois seus conflitos e questionamentos o aproximam sempre do homem contemporâneo. Sem nenhum anacronismo possibilitando assim, nesta sua inserção à realidade dos tempos modernos, um possível compartilhamento, em similar élan emotivo de seus espectadores, do seu entremeio secular aos anos do terceiro milênio.


Prazer, Hamlet.  Com Rodrigo Simas. Figurino/Claudio Tovar. Março/2023. Fotos/Ronaldo Gutierrez.


Lembrando que é perceptível existir um certo enfrentamento deste desafio ocasionado, muitas vezes e, especialmente, entre teatrólogos, puristas e pesquisadores, como acirrados seguidores da tradição. O que os afasta, preconceituosamente por vezes, da simples conferência destas propostas.

Ora com discordâncias radicais, ora ao lado do aplauso entusiasta de parcelas da crítica, além de possíveis estranhamentos da audiência consumidora destas polemizadas ou provocadoras releituras em compasso minimalista ou de desconstrução do primitivo substrato conceitual da tragédia. É o que está acontecendo quem sabe com este Prazer, Hamlet, a começar da temporada paulista com visível sucesso de público, ao lado de uma quase absoluta abstenção de registros críticos.

O que talvez comprove de um lado uma certa hesitação inicial do ator em realmente assumir o papel quando começou o processo de criação, logo após o convite de Ciro Barcelos, o que o próprio chegou a declarar em algumas entrevistas assumindo sua quase desistência definitiva.

Claramente compreensível, pois Rodrigo Simas é um ator bastante jovem voltado para criações televisivas, em papéis mais leves ou algumas participações em peças e comédias cinematográficas brasileiras. Sendo mais do que natural o seu temor diante do desafio de estrear num palco com um monólogo psicodramático a partir de um icônico personagem do teatro universal.

Mas apostou finalmente, contando com o incentivo dramatúrgico/concepcional de Ciro Barcelos, na proposta de um vigoroso teatro físico/gestual aproveitando a potencialidade atlética do ator, sem deixar de lado uma representação voltada para o metafórico questionamento das situações existenciais, genéticas ou políticas, direcionadas a um clima de permanente tragicidade com um sotaque ironico.

Aqui superdimensionadas com um inédito aporte de transgressora sexualidade de diversidade identitária, no seu imaginário envolvimento afetivo com Horácio em detrimento do amor por Ofélia, sempre numa busca investigativa de entrega a uma performance em clima instigante. Ampliada pela originalidade artesanal dos elementos cenográficos e indumentários da lavra de Cláudio Tovar, dos precisos efeitos luminares de Caetano Vilela e das oportunas incidências sonoras de André Perini.

Em espetáculo que avança transgressivamente com reflexos especulares em aspectos éticos e psicológicos do ator/personagem, sob interativa participação palco/plateia, como comparsas de uma trama finalizada, seja no que há de ser ou não ser, com o resto é silêncio...

 

                                             Wagner Corrêa de Araújo


Prazer, Hamlet está em cartaz no Teatro Gláucio Gil/Copacabana, de sexta a segunda feira, em horários extras, até o dia 3 de abril.

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