TODAS AS COISAS MARAVILHOSAS : OU COMO TORNAR BELA A VIDA


FOTOS/LUCIANA MESQUITA

Por trás de uma narrativa dramatúrgica, de simplicidade funcional na sua abordagem do difícil enfrentamento da condição humana com  a perda da vontade de viver, está o que faz do espetáculo Todas as Coisas Maravilhosas uma das mais reflexivas criações da presente temporada teatral.

Na dúplice criação autoral dos ingleses Duncan Macmillan, dramaturgo, e Joe Donahue, comediante, a peça original de 2013, tem sua primeira montagem brasileira, com potencializada direção concepcional de Fernando Philbert para uma sensorial performance do ator Kiko Mascarenhas. Sendo esta ainda viabilizada por mais uma das acuradas traduções de Diego Teza.

Onde o espaço físico da representação, sob idealização de Mauro Vicente Ferreira, adquire um significante apelo metateatral no despojamento dos elementos estéticos de suporte tradicional. Desde a ausência absoluta de aportes cenográficos (salvo as caixas no epílogo) e da prevalência de iluminação ambiental vazada (Vilmar Olos) pelo favorecimento da unicidade interativa ator/espectador, contando-se a adequação de uma indumentária (Tereza Nabuco) dia-a-dia e  sutil presencial das inserções sonoras  (Diego Teza e Marcello H).

Numa proposta de poesia cênica espacial onde a verbalização e a fisicalidade da performance quebram a quarta parede ao convocar a explícita participação do público desde a leitura de falas, classificadas por números, como o ato de assumir alguns dos personagens em conluio direto com o ator, em provocativo jogo lúdico de palavra e gestualidade.

Esta comunicativa parceria contextual desconstrói assim a ilusão teatral, fissurando o isolamento solitário do protagonista, por um maior dimensionamento psicológico na cotidianidade de uma temática (a depressão suicida) que pode estar próxima a qualquer um de nós.

Além de possibilitar a instantaneidade espontânea  da imersão experimental do espectador no oficio da representação. E, também, para mais completa compreensão de um personagem que, em sua meninice de sete anos, assume missão humanista de apoio altruista, solidário e afetivo à sua mãe para redimi-la de suas tendências fatalistas de auto-exterminação.

Através do ideário positivista e energizador  de uma lista de tudo que possa existir de maravilhoso neste mundo. Da banalidade passageira de saborear um sorvete ou de assistir a um programa de televisão, ao simples prazer de desenhar privilegiando uma cor qualquer como o amarelo ou do feliz espanto diante das  estrepolias num parque de diversão.

Tudo, enfim,  pela constatação de que, no intermédio das adversidades, o viver tem também suas surpresas brilhantes a cada dia. Numa progressão dramática que se estende da infância à descoberta do amor adolescente, das primeiras leituras aos assombramentos da alegria e das dores, das perdas e dos ganhos.

Entremeando a narrativa confessional com tal carga de naturalismo e sinceridade, na entrega convicta de Kiko Mascarenhas, que a relação do observador e do observado acaba por confundir limites. Entre a originalidade textual e a autenticidade de um subliminar improviso capaz de conferir-lhe um exclusivo sotaque de encenação realista/documental.

Ampliado na utilização de recursos de genuína singeleza no round da dialetação com personagens assumidos por aleatória escolha entre o público. Como nos papéis do veterinário encarregado de dar a injeção letal no cachorro de estimação e no questionamento  do pai com  a reiterativa resposta - Por que?. Ou nos encontros fortuitos  com a namorada e na leitura junto à professora de página com referencial suicida, romantizado a partir de Goethe, com Os Sofrimentos de Werther.

Tudo, enfim, convergindo pela luminosidade de seu interpréte (Kiko Mascarenhas) e no sustento da competência direcional (Fernando Philbert) para um teatro empático que se expande em cena e conquista, com as delicadas nuances de seus pequenos mistérios, a adesiva cumplicidade do público.  

                                    Wagner Corrêa de Araújo


TODOS AS COISAS MARAVILHOSAS está em cartaz no Teatro Poeirinha/Botafogo, sexta e sábado, 21h;  domingo, 19h. 70 minutos. Até 28 de julho.

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