A PRÓXIMA ESTAÇÃO : UM SINGULAR EXPERIMENTO CÊNICO


FOTOS/LENISE PINHEIRO

Há mais de uma década vem acontecendo uma fértil  pesquisa investigativa em torno da dramaturgia italiana, através do oficio criador de Cacá Carvalho e o processo colaborativo com o diretor Roberto Bacci, inicializado no Centro per la Sperimentazione e la Ricerca TeatraleE que já rendeu um tríptico de conotação pirandelliana com os espetáculos O Homem com a Flor na Boca (1994), A Poltrona Escura (2003) e Umnenhumcemmil (2012). 

Indo de Pirandello para um original representante do mais recente teatro italiano, o autor/ator/diretor Michele SanteramoQue, entre suas quinze peças encenadas, é reconhecido aos 44 anos como uma das surpreendentes revelações da dramaturgia europeia nestas duas últimas décadas, com a publicação e premiação de considerável parte delas.

Tendo, agora, - A Próxima Estação – Um Espetáculo Para Ler – como a a sua primeira peça levada aos palcos brasileiros em direção autoral, via colaboração artística de Roberto Bacci e Márcio Medina. Em representação no formato de literal leitura solista por Cacá Carvalho, paralela à projeção de desenhos, ilustrativamente criados para a montagem por Cristina Gardumi.

Eu me definiria como um autor vivo e não como contemporâneo. Minhas obras geralmente lidam com pessoas com uma forte conexão com a terra em que vivem (...) pessoas desfavorecidas que ainda reivindicam seu direito de viver”. (Michele Santeramo).

Palavras que, contextualizadas ao tempo e ao espaço do relacionamento conjugal de Violeta e Massimo, definem personificações ficcionais marcadas pelo dimensionamento psicológico e pelo presencial de sua paisagem de origem. Forjando a pureza coloquial e a espontaneidade comportamental de suas vivências a dois, desde o dia de um encontro decisivo, no ano 2025.

Mas que, na transcorrência incólume de quatro décadas de feliz união afetiva, são impactados pela transmigração para um futuro de nuance apocalíptica, nos idos de 2065. Onde a poesia do cotidiano cede lugar à sordidez, no substitutivo da moeda por sangue negociável, e a questão da sobrevivência fica entre o pânico e a resistência, no enfrentamento de uma terminalidade existencial assumidamente antecipada.

E é na transmutação cênica de narrativa tão simples quanto poética que reside o diferencial de uma proposta onde o elemento estético está sintonizado com uma sensorial exteriorização dos pequenos clímax e dos cativantes  mistérios da trajetória de dois personagens do dia a dia. 

Que só existem no imaginário das ilustrações sequenciais vistas em uma tela e no cativante fluir vocal/gestual imprimido pela performance energizada de Cacá Carvalho, no entremeio de seu dividir-se entre  ser o narrador fabular e o portador das frases e dialetações entrecortadas dos dois personagens.

Envolvendo, em mágica interatividade, uma progressão dramática que coloca, lado a lado, ator e público, sujeito e objeto, num interface de linguagens artísticas, indo do relato textual discursivo/literário à percepção vocal e plástica de uma imaginária onírica. 

Além da identificação e compartilhamento do espectador/intérprete com a leitura de episódicas rubricas sobre a tela. Sob inspirados acordes, prevalentemente pianísticos, de uma tríplice trilha original (Sergio Altamura, Giorgio Vendola Marcello Zinn). Onde Violeta e Massimo adquirem, ainda, traços referenciais dos animais de desenhos e livros infantis, num mix de ingênua alegria e patética tragicidade.

Para retratar, enfim, a consciente adversidade implícita à condição humana diante da inocência animal no entorno aceptivo à fatalidade final comum a todos os seres vivos. Em singularizado experimento cênico valorizando, sobremaneira, a presente temporada teatral.

                                           Wagner Corrêa de Araújo 


A PRÓXIMA ESTAÇÃO – UM ESPETÁCULO PARA LER está em cartaz no Sesc/Copacabana( Mezanino), de quinta a domingo,às 20h. 70 minutos . Até 24 de fevereiro.

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