VOU DEIXAR DE SER FELIZ POR MEDO DE FICAR TRISTE?: UMA COMÉDIA ROMÂNTICA EM COMPASSO CIRCENSE

FOTOS/CAROL BEIRIZ

Ou quando o amor não estabelece qualquer conflito geracional fazendo prevalecer a atração afetiva e o desejo sexual entre dois corpos sem identidade cronológica. Esta história pode acontecer todos os dias e muitos de nós dela fomos ou somos protagonistas.

Pois é assim, também, que transcorre esta fabulação romântica, de muita previsibilidade mas capaz até mesmo de abrir outras portas ao coração. Revelando surpresas sim, neste começar outra vez de uma mulher mais avançada em anos no amar outro alguém com rótulo da jovialidade.  

Na pulsão de ciumenta possessividade provocada no filho, quase da mesma idade do namorado e amante, incapaz de aceitar que se divida o conluio de amor filial e maternal em tríplice convivência doméstica com um estranho no ninho e no oficio da paixão.

Vou Deixar de Ser Feliz Por Medo de Ficar Triste?, com um lastro verista no imaginário dramatúrgico autoral de Yuri Ribeiro, em parceria textual e de trajetória amorosa com Claudia Wildberger, ampliado no envolvente apelo artesanal do comando diretor e conceptivo de Jorge Farjalla.

Onde ele, Yuri, aparece como o propulsor masculino da trama no personagem Daniel envolvido passionalmente com Andrea(Paula Burlamaqui), entre os pesares conflituosos do ciúme filial do pupilo dela, na representação de Vitor Thiré (desdobrando-se  em outras papeis). E contando, ainda, com a preciosa intervenção musical, ao vivo e a cores nostálgicas, de Jujuba Cantador e seu acordeão.

Mas é no clima de delírio burlesco da arquitetura cenográfica (José Dias), com substrato circense no seu formato de picadeiro móvel sob lona, que a amarrada e carismática gramática teatral de Jorge Farjalla potencializa os mecanismos histriônicos e dramáticos dos personagens.

Extensivos às nuances em tessitura  sépia dos figurinos (também de sua lavra) que, sob um ambiental desenho luminar(Jacson Inácio/Vladimir Freire) e nos acordes melancolizados da instrumental performance de Jujuba, favorecem uma estética entre o teatro popular, o circo e e a narrativa novelesca, com sutis referenciais do universo felliniano e da commedia dell arte.

De forte presencial onírico/poético, ironizado em passagens gestuais grandiloquentes, com um elenco sintonizado no alcance do dimensionamento psicológico das personificações em obrigatória criação da atual temporada.

Da convicta entrega emotiva de Paula Burlamaqui aos arroubos de exposição do desejo da mulher mais velha por um homem jovem à veemência confessional e à irradiação gestual declarativa do amor em Yuri Ribeiro.

Sem esquecer a vibrante espontaneidade de Vitor Thiré reafirmando sua técnica interpretativa no paralelismo de papéis e no desalento de sua personagem principal. Ora revolto ora risível e com tal expansividade cênica que acaba dominando o público.

                                                Wagner Corrêa de Araújo


Vou Deixar de Ser Feliz Por Medo de Ficar Triste? está em cartaz no Teatro das Artes, sexta e sábado, às 19h. 70 minutos. Até 1º de setembro.

A INVENÇÃO DO NORDESTE: DESCONSTRUINDO O DISCURSO REGIONALISTA

FOTOS/ROGÉRIO ALVES

A nordestinidade, já de longa data, é contextualizada por desgastada estereotipia que compõe um estratificado discurso regionalista através de signos como a seca, o cangaço, o coronelismo, o cabra-macho, a mulher-paraíba, os cordelistas, os messiânicos, os milagreiros, e por aí vai.

Com um jeito de ser diferente nos seus maneirismos gestuais e linguísticos, do sotaque às expressões idiomáticas, na tessitura vocal, com suas rimas e modulações tonais, e na psicofisicalidade arretada. Que faz do nordestino, um forte no seu comportamental de desafio às adversidades de uma região onde a prevalência solar é alegria e dor, entre luz e sombras.

E, ao mesmo tempo, acentua seu complexo de inferioridade quando é encarado apenas por um recorte folclorizado que torna mais árida sua luta por um lugar ao sol na urbanidade civilizatória/tecnocrática da grande metrópole brasileira.

Estigmatizado como protótipo de provincianismo e como símbolo de personagens caricaturizados, no intermédio da valoração atribuída à sua cultura regional, do rico artesanato aos inspirados cantares poéticos e musicais. E no real reconhecimento de mentores da intelectualidade pátria, de Euclides da Cunha a Gilberto Freyre, passando pelo cinema de Glauber e pelo teatro de Suassuna, entre outros tantos.

Pois é pensando neste cidadão brasileiro tão peculiar e tão referencial em nossa cotidianidade que o conhecido Grupo Carmin (RN), já aplaudido por montagem que passou pelos palcos cariocas(Jacy), está de volta. Desta vez indo mais fundo na retomada da temática de enfoque regional, com A Invenção do Nordeste, tendo como pulsão o livro homônimo do historiador Durval Muniz de Albuquerque.

Aqui, na versão dramatúrgica dúplice (ao lado de Pablo Capistrano) do também ator no espetáculo Henrique Fontes, há ainda a participação dos atores Mateus Cardoso e Robson Medeiros, em tríplice representação de uma comédia dramática narrando os preparativos para escolha do protagonista de um filme. Onde o elenco usa os nomes próprios em seus papéis, a saber o de diretor (Henrique Fontes) e dos atores (Mateus Cardoso e Robson Medeiros) que vão se submeter aos testes para atender à demanda de uma grande produtora do Sudeste.

Numa trama autoficcional em que há um incisivo encontro de linguagens em tempo de ensaio, desde a pesquisa iconográfica ao energizado substrato vocal (Gilmar Bedaque) e gestual(Ana Claudia Albano Vieira), incluindo citações audiovisuais (de inserts irônicos do “coronelismo”no Congresso a trechos fílmicos de Deus e o Diabo na Terra do Sol. 

Para isto contribuindo o minimalismo funcional do espaço cênico (Mathieu Duvignaud) como uma sala de estúdio onde a dupla de atores atua, ora em solos, ora em dialetação e até, especularmente, com cenas fílmicas glauberianas exibidas num telão lateral.

Na abordagem dos estereótipos assumidos para o ideário de um personagem nordestino, do retrato verista ao sonhado, em  criticismo desnudado ora com sutis nuances ora com tratamento de ironizada maledicência, para o alcance de um jogo teatral vivo, sob o seguro comando diretorial de Quitéria Kelly.

Compartilhado em cena por um potencializado Henrique Fontes com uma ágil e convicta dupla atoral( Mateus Cardoso/Robson Medeiros), indo do puro deboche à provocação do risível de intencionalidade reflexiva, em calibrada performance de uso e abuso dos recursos histriônicos e capaz de desentorpecer qualquer espectador.

Numa gramática cênica fluente em seus achados cuja empatia, de teor irreverente e instintivo, faz A Invenção do Nordeste dar seu pronto e qualitativo recado ao Sudeste, como uma das mais gratas surpresas da temporada teatral.
                        
                                           Wagner Corrêa de Araújo


A INVENÇÃO DO NORDESTE está em cartaz no Sesc/Copacabana/Mezanino, de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 20h. 70 minutos. Até 29 de julho.

QUARTO 19: CATARSE E LIBERDADE PELA SOLIDÃO

FOTOS/CRIS LYRA

Quando a escritora britânica Doris Lessing publicou o conto Quarto 19, no final dos anos 70, a luta emancipatória da condição feminina contra o status opressor doméstico continuava, ainda que transcorrido, então, mais de um século do grito rebelde de Madame Bovary.

Aqui, a personagem feminina aparenta superação na identidade intelectual com o marido, arquitetada em permanente diálogo de pensamento, onde não há conflito no contínuo e prevalente exercício da função doméstica, entre a responsabilidade pelo lar e o cuidado dos filhos.

Solidificada, enquanto o consorte dela repete a cotidianidade de ausências por exigência profissional, no preencher o dia sem ele em bela e confortável residência, rodeada por um aprazível jardim onde brinca com os filhos ainda pequeninos.

Mas nada disto é capaz de sufocar seu questionamento critico, no querer se afirmar mais individualizada na postulação de suas aptidões culturais, além do anseio comportamental pela independência, com novos ares e perspectivas imunes àquela felicidade prisional.

E onde encontrar isto sem despertar apreensões ao relacionamento igualitário e equilibrado de um casal jovem, bonito, rico e feliz,  senão num quarto barato de um hotel qualquer, ainda que a ela sugestione a vulgaridade de serventia para encontros sexuais.

Mas que, enfim, a protege, isola e a faz refletir, acenando, em compasso de sonho e delírio, com um substrato de viagens pelos espaços siderais da mente. E, ainda, como fuga ao vazio sequencial das tardes, já com os três filhos em tempo escolar, e aos incômodos reclames do lar e das criadas na perdida privacidade de seu jardim que ela julga ocupado por imaginários intrusos.

A cuidadosa tradução e adaptação dramatúrgica da atriz protagonista Amanda Lyra para este Quarto 19 privilegia o contexto literário original sob uma sutil releitura, com um olhar mais armado na contemporaneidade, em tom confessional e narrativo, singularizado na proximidade comparativa da questão social/libertária da mulher brasileira.

Sintonizada com um comando diretorial(Leonardo Moreira) que favorece a performance, entre a encenação realista e a progressão literária. Onde a nuance introspectiva da personagem, amplificada na funcional economia dos elementos cênicos, potencializa a cúmplice  interatividade palco/plateia.

Em espetáculo que se transubstancia numa paisagem pictórica da solidão, com referencial dos seres e ambiências solitárias da obra plástica do americano Edward Hopper, perceptível no recato funcional do desenho de luz e do cenário de Marisa Bentivegna.

Sabendo bem a representação de Amanda Lyra como dar convicção e consistência ao seu papel, na força sensorial que imprime à sua vocalização e à sua fisicalidade de contidos e episódicos arroubos gestuais. 

Extensiva à envolvente simplicidade e energizada simpatia com que possibilita, em reflexivo  tom coloquial de conversa olho no olho e na pulsão de corações e mentes, fluir o encontro literatura>teatro, entre a arte e a vida.

                                               Wagner Corrêa de Araújo


QUARTO 19 está em cartaz no Teatro Poeirinha/Botafogo, de quinta a sábado, às 21h;domingo, às 19h. 80 minutos. Até 29 de julho.

LISTA DOS INDICADOS DO 1º SEMESTRE 2018 DA 7ª EDIÇÃO DO PRÊMIO BOTEQUIM CULTURAL

LISTA DOS INDICADOS DO 1º SEMESTRE 2018 DA 7ª EDIÇÃO DO PRÊMIO BOTEQUIM CULTURAL

NOVIDADE: Além da das indicações, foi igualmente deliberado a inclusão da categoria Melhor Coreografia/Direção de Movimentos, em resposta ao justo apelo feito em carta aberta por representantes da categoria em 21 de junho de 2018. A atuação dos profissionais dessa categoria será apreciada pelos jurados a partir da 8ª edição, que se iniciará em janeiro de 2019.

DRAMA/COMÉDIA
Melhor Espetáculo
– A Visita da Velha Senhora
– Grande Sertão: Veredas
– Vou Deixar de Ser Feliz por Medo de Ficar Triste?
Melhor Direção
– Bia Lessa(Grande Sertão: Veredas)
– Gabriel Villela(Boca de Ouro e Hoje é Dia de Rock)
– Jorge Farjalla(Vou Deixar de Ser Feliz por Medo de Ficar Triste?)
Autor(Original/Adaptado)
– Fabiano Barros(Memória D’Alma)
– João Batista(Ouvi dizer que a Vida é Boa)
– Leonardo Netto(A Ordem Natural das Coisas)
Ator
– Caio Blat(Grande Sertão: Veredas)
– Claudio Mendes (Maria!)
– João Velho(A Ordem Natural das Coisas)
Atriz
– Carol Machado(Ouvi Dizer que a Vida é Boa)
– Denise Fraga(A Visita da Velha Senhora)
– Juliana Teixeira(Memória D’Alma)
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TEATRO MUSICAL
Melhor Espetáculo
– Bibi, uma Vida em Musical
– O Homem de la Mancha
– Romeu + Julieta
Melhor Diretor
– Guilherme Leme Garcia(Romeu + Julieta)
– Miguel Falabella(O Homem de la Mancha)
– Tadeu Aguiar (Bibi, uma Vida em Musical)
Melhor Autor(Original/Adaptado)
– Artur Xexéo e Luanna Guimarães(Bibi, uma Vida em Musical)
– Eduardo Rieche e Gustavo Gasparani(pela adaptação de Romeu + Julieta)
– Leandro Muniz(A Vida Não é um Musical)
Melhor Ator
– Chris Penna(Bibi, uma Vida em Musical)
– Cleto Baccic(O Homem de la Mancha)
– Hugo Bonemer(Yank – O Musical)
Melhor Atriz
– Amanda Acosta(Bibi, uma Vida em Musical)
– Daniela Fontan(A Vida Não é um Musical)
– Malu Rodrigues(Se Meu Apartamento Falasse)
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TEATRO INFANTOJUVENIL
Melhor Espetáculo
– Contos Partidos de Amor
– Isaac no Mundo das Partículas
– Thomas e as Mil e uma Invenções
Melhor Direção
– Duda Maia(Contos Partidos de Amor)
– Fabianna Mello e Souza (Thomas e as Mil e uma Invenções)
– Joana Lebreiro(Isaac no Mundo das Partículas)
Melhor Autor(Original/Adaptado)
– Eduardo Rios(Contos Partidos de Amor)
– Joana Lebreiro(Isaac no Mundo das Partículas)
– Vanessa Dantas(Thomas e as Mil e uma Invenções)
Melhor Ator
– Gabriel Stauffer(Thomas e as Mil e uma Invenções)
– João Lucas Romero (Isaac no Mundo das Partículas)
– Tiago Herz(Contos Partidos de Amor)
Melhor Atriz
– Isadora Medella(Contos Partidos de Amor)
– Leticia Medella ( Thomas e as Mil e uma Invenções)
– Thais Belchior (Thomas e as Mil e uma Invenções)
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ATOR/ATRIZ EM PAPEL COADJUVANTE(sem distinção de segmento)
Ator Em Papel Coadjuvante
– André Dias(Se Meu Apartamento Falasse)
– Leo Bahia(Bibi, uma Vida em Musical)
– Vitor Thiré(Vou Deixar de Ser Feliz por Medo de Ficar Triste?)
Atriz Em Papel Coadjuvante
– Luísa Arraes (Grande Sertão: Veredas) Lula CA
– Luiza Lemmertz(Grande Sertão: Veredas)
– Mel Lisboa(Boca de Ouro)
CATEGORIAS TÉCNICAS(sem distinção de segmento)
Direção Musical
– Fabiano Krieger e Gustavo Salgado(A Vida Não é um Musical)
– Jules Vandystadt(Yank, O Musical)
– Tony Lucchesi (Bibi, uma Vida em Musical) Lucchesi Junior Ventura Marcos Antonio
Cenografia
– José Dias(Vou Deixar de Ser Feliz por Medo de ser Triste?)
– Natalia Lana(Bibi, uma Vida em Musical)
– Ronaldo Fraga(A Visita da Velha Senhora)
Figurino
– Claudio Tovar(O Homem de la Mancha)
– Eduardo Giacomini(Nuon)
– Gabriel Villela(Boca de Ouro e Hoje é Dia de Rock)
Iluminação
– Beto Bruel e Rodrigo Ziolkowski(Nuon)
– Daniela Sanchez(Guardas de Taj)
– Rogério Wiltgen(Bibi, uma Vida em Musical)
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PRÊMIO ESPECIAL(Artista ou manifestação relevante ao cenário teatral carioca)

– Companhia dos Atores, pela permanente busca inovação ao longo de 30 anos.
– Companhia Lusco-Fusco pela brilhante fusão de diferentes linguagens no espetáculo “Ilhada em Mim – Sylvia Plath”
– Sueli Guerra pelo trabalho de coreografia e direção de movimento no espetáculo “Bibi, uma Vida em Musical”.

      Jurados( da esquerda para a direita) Sergio Fonta, Zé Helou, Renato Mello, Gilberto        Bartholo e Wagner Corrêa de Araújo.

TCHEKHOV É UM COGUMELO : SENSORIAL TRÍPTICO DRAMATÚRGICO


FOTOS/ANDRÉ GUERREIRO LOPES

Um singular  jogo dramatúrgico é desenvolvido através de sensorial uso dos elementos estéticos que integram a multi-proposta cênico/artística de Tchekhov é Um Cogumelo, sob o comando diretorial e conceptivo de André Guerreiro Lopes, para o Estúdio Lusco-Fusco celebrar seus dez anos.

Com aleatória ou até proposital similaridade, aqui, o oficio criativo se estrutura em trípticos paralelos, a partir de sua livre inspiração no clássico de Tchekhov -  As Três Irmãs e na convergência de linguagens artísticas como a performance teatral/coreográfica, o cinema documentário e a instalação plástica/ cinética /sonora.

A começar por suas três personagens titulares (Helena Ignez, Djin Sganzerla, Michele Metalon) ao lado da representação alterativa do trio coadjuvante, integrado pelo cantor Roberto Moura e pelos bailarinos Fernando Rocha e Samuel Kawalerski.

Numa mágica estrutura que se estende à sua narrativa temporal tripartida na trajetória existencial das três irmãs que, distanciando-se da textualidade original, tem um simbolismo conceitual no contraponto geracional de três mulheres.

Alcançando, ainda, neste desafio de contrários e das passagens de tempo, substrato referencial comparativo entre uma arrojada ideia de montagem de José Celso Martinez Corrêa para o Oficina em 1972 onde, no depoimento de 1995 para André Guerreiro Lopes, ele fala sobre os efeitos do uso da mescalina no processo investigativo e composicional da peça.

Retomado na presente remontagem em outra contextualização, através de soluções onírico / cientificas obtidas pela manipulação eletro/magnética, em tempo real cenográfico, de ondas sonoro/visuais do cérebro de André Guerreiro.

Capazes de provocar uma lúdica pulsão psicodélica palco/plateia, estabelecendo pontes entre os alucinógenos dos anos 70 e a neurociência da contemporaneidade, além de sua potencialização catártica no transubstancial mix com o élan comportamental/meditativo de tessitura zazen budista.

Entre o desejo tchekoviano do estar além do lugar nenhum,  as três personagens/atrizes se deslocam entre o imaginário, ora memorialista ora afrontado no escape pelo sonho, e o imobilismo de uma realidade niilista, sufocante e sem quaisquer perspectivas.

Onde Helena Ignez, com  vigorosa exposição de sua técnica amadurecida de intérprete, divide em coesa luminosidade o carregamento dos mecanismos gestuais e vocais, sem choque de idade, com o brilhante e convicto eco performático das duas atrizes de outra geração ( Djin Sganzerla e Michele Matalon).

Completando o investimento estético/ideológico assumido pela artesanal fluência direcional de André Guerreiro Lopes, o presencial coreográfico de Samuel Kavalerski e Fernando Rocha corporificando a palavra de Anton Tchekhov no elenco masculino (com intervenção dos acordes vocais nativistas de Roberto Moura).

E que, ao lado de eficazes componentes cenográfico/indumentários (Simone Mina) e luminares (Marcelo Lazzarato), com as ressonâncias acústico/percussivas da trilha de Gregory Slivar, integraliza uma sintonização reflexiva da apatia destas “Três Irmãs” russas com o desalento e a descrença do incerto momento politico por nós vivenciado.

                                                Wagner Corrêa de Araújo


TCHEKHOV É UM COGUMELO está em cartaz no CCBB/Teatro 1/Centro/RJ, de quarta a domingo, às 19h. 90 minutos. Até 22 de julho.

A MENTIRA: LÚDICO JOGO DRAMATÚRGICO COM A FICÇÃO RODRIGUEANA


FOTOS/ALINE MACEDO

Eu me interesso por novela justamente porque ela atinge aquela zona de puerilidade que é eterna no ser humano”.

Reflexão em que Nélson Rodrigues contextualiza suas incursões em folhetins, no disfarce sob variados pseudônimos de mulher, alçando voos nos paroxismos do dramalhão novelístico e exercitando, sem eiras nem beiras, as contradições do feminino, entre a ingenuidade e o despudor.

Inspirada em romance-folhetim, publicado serialmente  no semanário carioca Jornal da Semana-Flan, em 1953, é  da diretora e dramaturga Inez Viana a adaptação de A Mentira, com a mesma titularidade original, em mais  uma de suas concepções para a Cia. OmondoÉ.

Manipulando o contraponto temático, entre o segredo e a mentira, o livro tem como foco a falsa postura pueril de uma adolescente de catorze anos na ambiência, de conservadorismo e repressão, de uma família do subúrbio carioca.

Onde, pela suspeita de uma gravidez, sua progressão dramático/narrativa se desenrola na busca do provável culpado, com dúvidas e questionamentos, desde uma atração incestuosa do pai por ela, a mais jovem das quatro irmãs, a desejos freudianos de seu médico, passando pela acusação atribuída  ao vizinho paralítico.

Sem uma clara opção pela prevalência dos desmandos da pulsão erótica, a textualidade se vale mais das posturas, ora comedidas ora  atrevidas, da personagem protagonista. Que, a partir de sua incerta pureza juvenil, usa e abusa dos artifícios da confusão mental e comportamental provocada no âmbito doméstico/social por sua suposta violação sexual.

A partir de um sotaque rodrigueano fazendo convergir reportagem jornalística e relato dramatúrgico, o comando diretorial de Inez Viana avança na exploração ressignificante de marcas de sua obra. Pelo futebol sugestionado em enérgico gestual (Denise Stutz) confrontando os personagens como jogadores em campo, com direito ao arremesso de bolas, na continuidade, também, do  atirar aleatório de sandálias de borracha.

Ou brincando com a nuance melodramática no artificialismo lacrimal provocado por água aspergida pelos atores, simultaneamente, na face de cada um, incitando o choro que esconde melhor a mentira. Além do embate pirandelliano no assumir alterativo de papeis masculinos ou femininos, sem caracteres de identificação corporal ou de sexualidade.

Na composição da climática cênica (Inez Viana), um econômico uso  de materiais de palco, desde a simplória indumentária cotidiana (Virginia Barros) ao reiterativo vazamento luminar (Ana Luzia De Simoni), completados com sutil incidência musical de apelo nostálgico.  

Assumindo os tipos que integram a decomposição do circuito familiar e das proximidades, um energizado elenco (André Senna, Elisa Barbosa, Junior Dantas, Leonardo Brício, Lucas Lacerda, Zé Wendell), além do dúplice revezamento cênico, Denise Stutz e Inez Viana. Entregues todos à adesiva participação na partida para decifrar podres poderes afetivos.

Num conciso teatro, quase de improvisação em seu despojamento técnico/artístico, mas  com calibrada carga à base de peripécias físicas e dimensionamento psicológico com teor crítico. Sabendo com suas irônicas ambiguidades, entre desaforos e rompantes, como reafirmar o mundo de Nélson pelo olhar, armado e sempre revelador, de Inez Viana.

                                       Wagner Corrêa de Araújo


A MENTIRA está em cartaz no Teatro Glaucio Gil, de sexta a segunda, às 20h. 90 minutos. Temporada prorrogada até 19 de julho, com sessões nas quartas e quintas, às 19h.

NAITSU: METAFÓRICO TEATRO COREOGRÁFICO


FOTOS/LUIS CANCEL

Numa trajetória estética que uniu visceralmente o conceitual do teatro com o movimento e a dança, desde Rudolf Laban e Kurt Jooss, passando por Mary Wigman e Pina Bausch, com classificações titulares que vão de Teatro Coreográfico a Teatro-Dança, transcendeu-se o mero gestual cênico numa ideológica incorporação da palavra.

Onde o ator-bailarino faz dançar o verbo pela “manifestação exterior dos sentimentos interiores” (Laban), numa introspecção profunda do movimento como expressão cênica dos embates humanos com a vida e com o meio circundante.

E é nesta linhagem que se insere o singularizado trabalho como coreógrafa, bailarina, atriz, diretora teatral marcando, há três décadas, a criação artística de Regina Miranda. E, numa vertente de identificação de oficio e proposta estética, fazendo com que dela, também, se aproximasse Marina Salomon.

Mais uma vez, insistindo na teorização simbiótica do teatro-dança de Laban pelo fundamental suporte de “não negligenciar o atributo essencial do trabalho teatral que é o movimento” estão aqui, em dúplice ato inventor - Regina Miranda e Marina Salomon - para Naitsu–Noites com Murakami. Em oportuna montagem quando profissionais do movimento e da coreografia reivindicam um justo espaço nas premiações teatrais cariocas.


Na sua pulsão contextual de multi espetáculo, no encontro de linguagens artísticas diversas-a literatura, o teatro, a instalação plástica e o movimento gestual/coreográfico, Naitsu propicia uma diferencial leitura cênica na interatividade sensorial que sua progressão dramático / psicológica exerce sobre cada espectador.

A começar de sua narrativa dramatúrgica, da lavra de Regina Miranda, a partir da obra ficcional de Murakami, acumulando o comando diretor e a concepção cênica, com um evocativo referencial de instalação plástico/cinética.

No enunciado de uma ambiência que induz à solidão da performance solo (Marina Salomon), na invisibilidade de uma plateia oculta sob a transparência nebulosa de escuros véus/cortinas, na qual cada um é convidado a interferir manipulando um pequeno artefato de madeira.

Portando figurino (Luiza Marcier) discricionário, entre uma sutil elegância e o despojamento cotidiano, Marina Salomon provoca uma alterativa psicofisicalidade, ora nervosa ora sensível, na densa exteriorização dos conflitos interiores de sua personagem.

Uma mulher insone na calada da noite em dialética viagem pelos espaços siderais da mente, entre o imaginário  e a realidade, entre a desilusão e a angústia, reflexionando desde a vida à morte, a partir da frase prólogo do livro Sono , do celebrado autor contemporâneo japonês Haruki Murakami.  

Sem dormir há dezessete noites...”. De incisiva força substantiva para inicializar o dimensionamento dramático e coreográfico da performance possibilitando, assim, equilibrar a sua original textualidade com a envolvência emotiva na representação.

Em gramática cênica fluente, de convergente apelo visual, enérgica irradiação gestual, num veemente e estilizado encontro corpo/palavra com assumida busca labaniana da "essência das coisas".
                       
                                           Wagner Corrêa de Araújo


NAITSU – NOITES COM MURAKAMI está em cartaz no Espaço Rogério Cardoso/Casa Laura Alvim/Ipanema, sexta e sábado, às 20h30m; domingo às 19h30m. 60 minutos. Até 8 de julho.

JÓIAS DO BALLET : NO COMPASSO DO ROMANTISMO, UMA VOLTA POR CIMA




Depois de uma longa jornada noite adentro, entre as angústias da espera e da incerteza, começaram a se desvanecer as sombras que colocavam em status emergencial a única e a mais tradicional companhia de dança do país dedicada à prevalência do repertório clássico – o Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Em meio a uma crise político/econômica sem fim que atingiu a criação artística brasileira, especialmente as artes cênicas e mais incisiva ainda quanto aos corpos estáveis do TM/RJ (Ballet, Coro e Orquestra Sinfônica), afetando uma trajetória de qualidade e de legado histórico, pela  singularizada missão estética desta Cia oficial de dança.

Que, mesmo assim, enfrentou o desafio e resistiu em áridas trincheiras, de progressividade crescente nos dois últimos anos. Ainda que tivesse que abrir mão de suas artesanais retomadas estilísticas por algumas duvidosas performances cênicas, com risco da autonomia de sua exclusiva titularidade e destinação.

Ora em meras e episódicas incidências em obras sinfônico/corais( Carmina Burana e a Oitava Sinfonia "Ressureição", de Mahler), ora no equivocado enfoque coreográfico de uma conceitual versão dramatúrgica de Peter Brook (La Tragédie de Carmen), num mix Merimée/Bizet/Brook, entre a novela e a ópera.

Justificáveis como um brado de revolta ou de socorro mas nem sempre felizes, distanciando-se de seus fins preceituais e de suas habituais incursões na remontagem ou releitura apurada de um repertório de obras consagradas universalmente.


Como, agora, no seu primeiro programa da temporada 2018 – Jóias do Ballet - revisitando algumas preciosidades do romantismo coreográfico, na passagem do século XIX, com um excerto da Raymonda (1898), coreografia Petipa/Gorsky, e no clima  inovador dos Balés Russos de Sergei Diaghilev com  criações de Michel Fokine, como Le Spectre de La Rose (1911) ou Les Sylphides (1909).

Aqui apresentadas em adequada e digna sintonização com os originais russos, não só através da reutilização do acervo cenográfico e indumentário da FTM, como pela sensível e consistente direção musical e regência de Jésus Figueiredo na OSTM e que favoreceram, sobremaneira, a representação.

A autoridade coreográfica das diretoras artísticas do BTM (Ana Botafogo/Cecília Kerche) fez com que os bailarinos preenchessem, com folego e convicção, as exigências clássicas destas obras em interpretação vibrante e corajosa depois de tantas instabilidades financeiras e da partida de destacados nomes da Cia.

Enquanto, em paralelo, valeu como mote comemorativo a volta à cena, em sua melhor forma, da irrepreensível dupla de primeiros bailarinos Cláudia Mota e Cicero Gomes, foi surpreendente o empenho, da técnica à emoção, alcançando outros novos solistas.

Na ultima noite, no naipe masculino, destacou-se Alef Albert, com mais porte e potencial desenvoltura em Raymonda, além de seu sotaque expressivo já perceptível no Le Spectre de La Rose. Sem deixar, também, de registrar a coesão e a luminosidade de suas partners, respectivamente Juliana Valadão e Priscila Albuquerque.

Além das adequadas  escolhas dos solistas em Les Sylphides, com brilho mais recatado na unicidade das intervenções do elenco coadjuvante, mas integralizando, enfim,  uma energizada empatia do Balé do TM, em noite de redentor retorno artístico, com cativante entrega à performance e cúmplice interatividade palco / plateia.

                                        Wagner Corrêa de Araújo

FOTOS/WAGNER BRUM

O BALLET DO THEATRO MUNICIPAL esteve em cartaz em seis récitas, entre os dias 23/Junho e  1º/Julho, em horários diversos, no TMRJ/Cinelândia.

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