DEPOIS DO AMOR : DESCONSTRUINDO O MITO

FOTOS/GUGA MELGAR

O sociólogo e teórico Edgar Morin , no seu livro As Estrelas, encontra a causa da fatalidade nas mortes de James Dean , pelo excesso,  e na de Marilyn Monroe,  pela carência.

Seu inesperado fim por circunstancias trágicas  capazes de gerar duas versões , entre o suicídio por barbitúricos ou assassinato  por uma conspiração de nuance política , marcou definitivamente a década de 60 , como o princípio da falência do star system.

Marilyn representava o ápice do sonho americano de uma era mítica do Olimpo hollywoodiano.  Mas com uma trajetória marcada por tantas contradições, na sua ascensão ao êxito, que se transformou em deusa de pés de barro.

Com uma feminilidade, ao mesmo tempo, triunfante e ultrajada em sua sexualidade. Capaz de ser mais desejada  por seu corpo desnudo de rainha , mero objeto fálico de domínio sedutor,  em detrimento de sua ansiedade em ser reconhecida como  diva,  de grande  dimensionamento artístico e cultural.

No seu referencial titular à  peça de Arthur Miller ( Depois da Queda), a trama dramatúrgica de Fernando Duarte adota a nominação de Depois do Amor. E embora o texto de Miller use a personagem Maggie como uma espécie  de alter ego de Marilyn, está  aprofundando, na verdade,  o sentido da decomposição política e moral do mundo pós anos 50 .

Ao contrário  , Fernando  Duarte  traça um retrato,  sem retoques, do vazio , da rejeição, da insegurança, de uma personalidade de vida infeliz,  escondida por trás do sucesso.

Ao receber em sua casa uma ficcional  figurinista e ex-camareira, Margot Taylor (Maria Eduarda de Carvalho), Marilyn (Danielle Winits), enquanto experimenta os vestidos destinados ao seu último filme (Something’s got to give), detona um amargo acerto de contas confessional de sua vida privada .

A direção original de Marília Pera( aqui substituída por Fernando Philbert) assume este viés com perceptível senso crítico e estético, preocupando-se mais em focar as frustrações de uma mulher fragilizada que sua narrativa biográfica de atriz. 

Com uma  ressalva, apenas, na desnecessária declamação de um poema de Drummond, fora do contexto de alguém  que adorava livros mas nunca os lia.

E,  neste aspecto, a meticulosa composição de Danielle Winits ganha um relevo especial, pois ela não está lá como uma cópia fake de uma estrela, com virtuosismos supérfluos, mas para transcender o mito,  num singularizado e tocante retrato da condição feminina.

As intervenções de Maria Eduarda proporcionam instantes  de rara intensidade interpretativa,  ao desvendar as vulnerabilidades de Marilyn. 

Numa discreta arquitetura cênica(Natalia Lana), enriquecida pela elegância dos figurinos(Sonia Soares) e pela adequação das luzes(Vilmar Olos) e incidências musicais(Paula Leal).

No  apagar das luzes , ao final da peça, com o quarto entre sombras, é como se ouvíssemos Marilyn em seu árido e melancólico apelo :

 “Torne-o escuro e deixe-me sozinha”.

                                   WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO



DEPOIS DO AMOR está em cartaz, no Teatro Vannucci,Shopping da Gávea, de quinta a sábado, às  21 h 30 m; domingo, às 20 h. 75 minutos . Até  06 de março.



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