NESTE MUNDO LOUCO, NESTA NOITE BRILHANTE : VIOLÊNCIA E CATARSE SOB UM COMPASSO TEATRAL PÓS- DRAMÁTICO

 

Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante.  Silvia Gomez/Dramaturgia. Com Debora Falabella/Yara de Novaes. Agosto/2024. Fotos/João Caldas.

A parceria entre as atrizes Débora Falabella e Yara de Novaes, tem propiciado algumas surpreendentes criações teatrais de nossa contemporaneidade, sempre sob o crivo de uma busca por novos caminhos e, agora, de volta, na última peça de Silvia Gomez – Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante.

Depois de Love, Love, Love, de Contrações e de Prima Facie (onde Yara de Novaes assume a direção), é a hora e a vez de, novamente, as duas atuarem em cena numa corajosa abordagem de um dos  temas mais polêmicos e que vem impactando brutalmente, em processo ascendente, o cotidiano comportamental brasileiro.

Trata-se aqui da violência que se tornou lugar comum, perpetrada pela selvageria de uma masculinidade tóxica, que continua a excercer sua ancestral subjugação da condição feminina pelo abuso sexual de sua corporeidade, através da tortura psicofísica representada pelo estupro.

Nesta recente criação do Grupo 3 de Teatro,  sinalizado sempre por uma tríplice integração talentosa dos mineiros Débora Falabella, Yara de Novaes e Gabriel Fontes Paiva, direcionando-se a uma das diferenciais incursões dramatúrgicas na absurdidade deste fato de caráter criminal. Ao lado de uma simbólica e presencial equipe técnica e artística absolutamente feminina em palco vazado, sob a quebra completa de sua quarta parede.


Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante.  Silvia Gomez/Dramaturgia. Gabriel Fontes Paiva/Direção Concepcional. Agosto/2024. Fotos/João Caldas.


Capaz de gerar um desassossego imediato atores/espectadores que pertuba com seu árido referencial de tantos dias indo e vindo sem nada mudar. Ora pelas dolorosas queixas das vítimas, ora de um assombramento do seu circuito familiar e social pela publicidade virtual dos registros policialescos. Enquanto, apesar de tudo, persistem as estatísticas : a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil.

Onde o espaço cenográfico (André Cortez) é configurado como uma plataforma inclinada que sugestiona uma pista de aeroporto ou uma estrada obscura cercada por refletores laterais e por projeções frontais que ora visualizam, pictoricamente, uma paisagem florestal ora um céu coberto pelo brilho das estrelas.

Numa proposta em que as variações luminares (André Prado e Gabriel Fontes Paiva) e as interferências da trilha sonora autoral (Lucas Santtana e Fábio Pinczowski), executada pela Banda Las Majas, acontecem através das induções verbais de Yara de Novaes. Como parte de seu ofício performático no papel de uma policial rodoviária e  de acordo com a ambiência e o clima psicológico da narrativa dramatúrgica.

Este procedimento é configurado com as luzes ainda acesas quando, com o público ainda se acomodando, as duas atrizes simulam uma maratona ginástica marcial, como uma espécie de prévio relaxamento corporal, prevenindo-se a si mesmas e numa advertência aos espectadores, para o enfrentamento do sequencial clima de medo e pânico.

Inicializando-se a trama em compasso de um thriller, na percepção aproximativa da vigia do km 23 (Yara de Novaes), por intermédio de uma lanterna, no entorno de uma violentada vítima feminina (Débora Falabella), caída na pista e em surtos alucinatórios, depois de ser estuprada, ali, seguidamente por vários homens.

O texto na sua transposição cênica, com a sintonizada performance de duas potenciais atrizes, imprime ao inventário dramatúrgico um contraponto crítico ao desalento em tempo real da personagem estuprada, paralelo ao distanciamento reflexivo da outra nas postulações pela superação da dor em busca da solidariedade humana.

Convergindo esta ímpar interpretação feminina para o transgressivo dimensionamento de uma estética teatral pós-dramática, na meta linguagem de uma gramática cênica assumida pelo convicto comando direcional de Gabriel Fontes Paiva. Transcendida por uma pulsão sensorial de cumplicidade palco/plateia para que, assim, possa ecoar como denúncia política e redenção poética :

Se eu for capaz de cantar uma canção de amor neste mundo louco, nesta noite brihante, então tudo será possivel, até dar o fora daqui”...

 

                                         Wagner Corrêa de Araújo



Neste Mundo Louco, nesta Noite Brilhante está em cartaz no Teatro Sesi/Firjan/RJ, quinta e sexta, às 19h; sábado e domingo, às 18h. Até 18 de agosto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tema importante, atual, drama cotidiano. Desconheço uma uma que não sofreu algum abuso grave, machista , assédios, estupros, abusos com crianças, psicológicos, físicos, dentro da família, com professores, pais, tios, na rua, no trabalho. Eu Cristina Avila sei bem o que é isso desde criancinha , com filha, sobrinha, amigas, primas e há a família que encobre tudo isso.

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