La Fille Mal Gardée. BTM/RJ. Ricardo Alfonso/Concepção Coreográfica. Agosto/2024. Fotos/Daniel Ebendinger. |
No primeiro dia de julho, 1789, quase às vésperas da Revolução
Francesa estreava em Bordeaux - La Fille Mal Gardée - que trazia um
novo conceitual coreográfico por Jean
Dauberval, sem príncipes e deuses
mitológicos, com sua inspiração em temas e canções populares. E que, na
trajetória histórica do repertório de balé clássico, acabou considerado um
marco sinalizador.
Ambientada no clima pastoril da propriedade rural da viúva Simone e sua filha Lise, onde seus personagens são camponeses e a trama idílica mostra a atração dela pelo lavrador Colas, indo na contramão do desejo de sua mãe em vê-la casada com o ingênuo Alain, filho de um rico fazendeiro.
Espalhando-se, sequencialmente, por outros palcos e países
antes de chegar à Ópera de Paris, na releitura musical de 1828, por Ferdinand Hérold que se tornaria, a
partir daí, a partitura definitiva. Embora seguida por diferenciais versões coreográficas,
entre as quais a de maior perenidade e representações, deve-se a Frederick Ashton, no Royal Ballet, em
1960.
E é esta concepção que vem sugestionando, em suas linhas básicas, praticamente todas as remontagens deste balé, mesmo a do coreógrafo suiço Heinz Spoerli, que ele titula de nova versão, em 1981, e onde as revisões ocorrem mais em sua partitura original. Enquanto a direção concepcional/coreográfica do uruguaio Ricardo Alfonso, estreada em dezembro de 2023, e que é mostrada, agora, pelo Balé do Theatro Municipal carioca, continua mais próxima daquela de Frederick Ashton.
La Fille Mal Gardée. Balé do TM/RJ. Ricardo Alfonso/Concepção Coreográfica. Agosto/2024. Fotos/Daniel Ebendinger. |
Ricardo Alfonso integra o naipe de uma nova e
reveladora geração coreográfica nos países da America Latina, tendo já uma
vasta trajetória de obras suas, entre o repertório clássico e contemporâneo,
com uma identidade autoral bem singularizada, entre a fidelidade à tradição e o
espírito inovador.
É o que ele demonstra muito bem neste seu olhar no entorno de
La
Fille Mal Gardée, imprimindo charme e simpatia à rusticidade natural de personagens campônios.
Ao mesmo tempo em que enfatiza uma bem humorada pantomima à burlesca
representação da viúva Simone, sob a
carismática teatralidade mimética do bailarino Edifranc Alves.
Na continuidade do alcance de um brilho performático, o
protagonismo dúplice de Cicero Gomes como Colas
e de Márcia Jaqueline como Lise, o jovem casal em seu embate
afirmativo de um amor recíproco, é o outro destaque absoluto pela química técnica e interpretativa nestes personagens.
Cicero Gomes exorbitando, como de hábito em reconhecido virtuosismo,
nos seus contagiantes solos entre jetés e piruetas. Ao lado de Márcia Jaqueline
que completa vinte anos de estreia neste papel e que, cada vez, mais exerce fascínio
por sua instintiva graça e seu refinado porte de uma primeira bailarina.
Ambos, enfim, com altos dotes qualitativos tanto na demonstração de
uma convicta pirotecnia, como na sua entrega a um timing cômico, das expressões
faciais ao gestualismo na corporeidade. O que os faz completos atores/bailarinos em sintonia
com um funcional sustento coreográfico dos outros integrantes do Corpo de
Baile.
Os figurinos sempre caprichados de Tania Agra destoam de uma
cenografia (Manoel dos Santos) meramente convencional, sob luzes vazadas (Paulo
Ornellas) com algumas raras variações entre sombras e claros na cena da tempestade no campo.
O artesanal empenho da conduta do maestro Silvio Viegas
frente à OSTM ressalta bem a leveza romântica e um caracter prevalente de allegros quase marciais, em energizados temas
musicais, entremados por subliminares fraseados rossinianos.
Valendo, antes de tudo, registrar o quanto é fundamental este intercâmbio com outras visões coreográficas, promovido por bela iniciativa do comando e supervisão artística (Hélio Bejani e Jorge Teixeira) do Balé do TM/RJ. Tal como a representividade do convite ao uruguaio Ricardo Alfonso, além de brasileiros como Ricardo Amarante, com coreografias suas idealizadas para a Cia Colombiana de Ballet que chegaram também ao palco do Municipal.
Onde este acervo de criações voltadas às companhias latino - americanas, incluído o Brasil, possa reafirmar o potencial e o maior reconhecimento
de um precioso panorama coreográfico destes países, mote de uma importante série de análises da conceituada
crítica argentina Fatima Nollen (radicada em Londres) para a secular revista
inglesa Dancing Times Magazine...
Wagner Corrêa de Araújo
Nenhum comentário:
Postar um comentário