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Prima Facie. Suzie Miller/Dramaturgia. Yara de Novaes/Direção Concepcional. Débora Falabella/Atuação. Junho/2024. Fotos/Annelize Tozetto. |
A partir de sua simbólica titulação inspirada em clássico termo jurídico – Prima Facie – a peça faz análise instigante dos trâmites contraditórios que envolvem a atuação de uma advogada de causas criminalistas diante de um sistema jurídico, na maioria das vezes machista e patriarcalista, quando o defensor ou, especialmente, a vítima é uma mulher.
A tradução literal da expressão latina “Prima Facie” é
secularmente utilizada com o significado de “à primeira vista” para
exemplificar, assim, uma situação judicial em que a acusação ou a defesa tem
validade enquanto não prevalecer prova em contrário.
Sob o original ideário dramatúrgico de Suzie MiIler, de conceituda
trajetória anterior como advogada de defesa, seguida de sucesso absoluto na Broadway e no West End londrino, além
da recente versão cinematográfica, com sua peça Prima Facie. E, agora, em
palcos brasileiros, na parceria luminosa de duas personalidades femininas de
nosso teatro - a diretora Yara de Novaes e a atriz Débora Falabella.
Aqui, a jovem e visionária advogada Tessa Engler (Débora Falabella) em protagonismo monologal fala de sua ascendente trajetória jurídica numa celebrada universidade onde se destaca entre seus colegas de classe média alta. Ela que vinha de origem proletária onde a mãe lutava por seu sustento e do impulsivo irmão, sem acreditar que a filha pudesse alcançar êxito em suas pretensões jurídicas naquele tipo de ambiente privilegiado.
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Prima Facie. Alexandre Tenório/Tradução. Yara de Novaes/Direção. Débora Falabella/Atuação. Junho/2024. Fotos/Annelise Tozzeto. |
Atravessando a narrativa que começa desde os tempos estudantis de Direito ao despontar de uma carreira que, graças ao empenho de seu talento, lhe proporciona vitórias sequenciais nas causas criminalistas. Principalmente em processos voltados para casos de violência sexual como estupro, assumindo, prioritariamente, a defesa das vítimas femininas, mas por vezes, também o lado masculino quando este se julga injustamente acusado.
Até que numa reviravolta, ao iniciar relacionamento com um
daqueles colegas de escritório de classe alta, sente que foi violada
sexualmente sem consentimento, entrando então com queixa crime por estupro
contra o mesmo. O que lhe rende conturbado processo que tem tudo para ser
desfavorável a ela, num tribunal composto apenas por homens.
Sentindo-se cada vez mais coagida, tem decepção traumatizante sustentada em profunda descrença num sistema que apregoa, perante a lei, a justiça é igual para todos, onde, intimidada, acaba dando impactante testemunho de revolta, no desalento desta amarga conclusão.
Acreditando de que não é bem assim que acontece naquele tão insensato parâmetro de certos julgamentos marcados pelo preconceito seletivo, havendo muito a mudar em relação aos menos favorecidos do status social, não só para as mulheres, mas estendendo-se, ainda, aos de opção sexual diferenciada, aos negros, aos imigrantes e aos que portem deficiências mentais.
Em performance de apelo comovente, uma carismática Débora
Falabella hipnotiza a plateia, entre o riso e o drama, desde suas primeiras
aparições num cenário móvel (André Cortez) que sugestiona, em processo metafórico, elementos de um tribunal enquanto vai se transmutando na sua adequação a
ambiências diversas da narrativa dramatúrgica.
O que ocorre também com seu figurino (Fábio Namatame) que se transforma, entre o cerimonial e o despojado, no desenrolar das cenas, sob assumidos
efeitos de luzes vazadas (Wagner Antônio) e ocasionais intervenções sonoro/musicais
(Morris) que enfatizam uma vigorosa psicofisicalidade da atriz.
Culminando tudo no pleno domínio de Yara de Novaes com sua gramática cênica fluente e que irradia a transcedência da denúncia de tema mais que necessário em reflexivo contraponto crítico de um teatro corajoso e revelador, conectado na contemporaneidade.
Em oportuno entremeio das vergonhosas propostas de parte
significativa e deplorável de uma bancada legislativa federal, com sua postura misógina
de despudorada sustentação fundamentalista num falso moralismo, sendo capaz, afinal, de preferir privilegiar os estrupadores em detrimento de optar por suas vítimas...
Wagner Corrêa de Araújo
Prima Facie está em cartaz no Teatro Adolfo Bloch/Glória, de quinta a sábado, às 20h; domingo, às 18h. Até 30/06 de 2024.
Um comentário:
seria legal corrigir acima onde escreveram:"estrupadores"
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