VAN GOGH ENTRE CORVOS : CRIATIVIDADE DELIRANTE EM REESTREIA NECESSÁRIA


Van Gogh Entre Corvos. Ary Coslov/Marcelo Aquino/Dramaturgia. Ary Coslov/Direção. Janeiro/2024. Fotos/Guga Melgar.


“Ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno”.

De Antonin Artaud a Vincent Van Gogh, entre os expelidos do mundo, a inspiração para uma das mais simbológicas reestreias teatrais da temporada – “Van Gogh Entre Corvos", com dramaturgia conjunta de Marcelo  Aquino / Ary Coslov, retomando sob novos dimensionamentos a montagem original de 2016.

Recluso em manicômios, quase uma trajetória existencial inteira, este escritor, poeta, ator e dramaturgo  francês notabilizou-se, nesta condição ímpar, por sua notável passagem pela criação artístico/literária  francesa da primeira metade do século XX.

Sua metafórica denominação do “Teatro da Crueldade” não remetia diretamente à violentação corporal mas a um impulso de delirante criatividade – “Uso a palavra crueldade no sentido gnóstico de trabalho e vida que devora as trevas”.

E, assim, partindo do eco contemporâneo do ensaio, de 1947, O Suicidado da Sociedade, transcendendo os limites palco/plateia, a convicta entrega performática do ator protagonista Marcelo Aquino, com exponencial direção teatral (Ary Coslov) e de movimento (Ana Vitória), concretiza uma singular criação teatral.


Van Gogh Entre Corvos. Ary Coslov/Marcelo Aquino/Dramaturgia. Ary Coslov/Direção. Janeiro/2024. Fotos/Guga Melgar.


Aqui, vozes, gestos e atos estabelecem um visceral discurso ideológico contra as falácias psiquiátricas, as convenções sociais, o moralismo religioso, a impossibilidade de amar. Contra tudo e contra todos, pela liberdade da condição humana.

Numa minimalista concepção cenográfica e figurinos cotidianos, que Ary Coslov acumula ao seu comando mor, é alcançada a pureza e a magia poética da representação, mesmo na sua assumida dissecação cruel das vísceras, do sangue e da alma.

Onde o clima de fantasia sob ultra sensitivo suporte musical (pelo bom gosto da seleção de Ary Coslov) é, ainda, alcançado  pelo ambiental desenho das luzes (Aurélio de Simoni) e pela retomada da ideia original da mostra Artaud/Van Gogh - Le Suicidé de La Société, Musée D’Orsay (2014), na animação visual do quadro Campo de Trigo Com Corvos.

O incisivo e emotivo gestual (Ana Vitória), na sua investigativa exploração da fisicalidade, encontra  um simbológico referencial no próprio Artaud – “Deixem que dance enfim a anatomia humana”.

A adição de textos literários de autores e épocas diversas, citações imagéticas, em fotos e vídeos, culmina no espanto e no doloroso questionamento do texto final. Catártico ao arrastar a uma imediata empatia coletiva.

E capaz de dar absoluta autoridade carismática à performance de Marcelo Aquino, numa mistura incendiária - personagem>espectador>Artaud - cada um representando a sua vida, em enigmático e provocante  elo :

“Vocês são eu e eu não sou vocês”...

 

                                         Wagner Corrêa de Araújo

 

Van Gogh Entre Corvos está em cartaz no Teatro Poeirinha/Botafogo, às terças e quartas, às 20hs, até o dia 26 de março. 

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