Sra. Klein. Nicolas Wright/Dramaturgia. Victor Garcia Peralta/Direção Concepcional. Agosto/2023. Fotos/Lucio Luna. |
“A transferência é a
maneira pela qual o paciente ou o analisando transforma o analista em personagens importantes de sua vida que tiveram um
efeito traumático sobre ele. Geralmente
uma mãe ou um pai”.
Assim o dramaturgo britânico Nicolas Wright sinaliza o fio narrativo que conduz a trama de
sua peça Sra. Klein, que estreou em Londres 1988, seguida em 1995 pelo circuito off
Broadway, paralelamente à sua versão alemã para as telas pelo cineasta Ingemo Engström.
Depois de duas reconhecidas montagens brasileiras, protagonizadas
titularmente por Ana Lúcia Torre (1990) e Nathalia Timberg (2003), está de volta à cena na concepção direcional de Victor Garcia Peralta, tendo Beatriz Nogueira no
papel de Melanie, ao lado de Natália
Lage como Melitta e Kika Kalache, personificando
Paula.
No enredo há um confronto de três mulheres todas elas ligadas
ao universo psicanalítico numa Londres de 1934 onde Melanie Klein, refugiada da
Alemanha nazista, atua como analista desenvolvendo suas teorias especialmente focadas
na psicanálise infantil.
Ela, aqui, vive uma dúplice crise psicológica com a perda de seu
filho num suposto acidente de escalada, enquanto está prestes a romper com a filha
Melitta, com divergências que vão do âmbito
familiar à discordância pessoal quanto às teses da mãe. E num procedimento substitutivo quase de adoção Melanie
se aproxima cada vez mais da outra psicanalista refugiada, Paula, com seu dúbio comportamento de afagos, sem tomar partido por ser colega de
profissão de ambas e amiga de Melitta.
Beatriz Nogueira numa marcante performance como a Sra. Klein. Agosto/2023. Fotos/Lucio Luna. |
Numa ambiência menos realista (Dina Salem Levy) preenchendo o
estúdio/sala londrino da Sra. Klein apenas com duas filas de cadeiras similares
e que vão se misturando, entre a ordem e a desordem, num paralelo com os distúrbios
mentais.
Através de um processo cênico em que os efeitos luminares (Bernardo Lorga) são marcados pelo andamento, cada vez mais ascendente, de uma claridade branca
à proporção que se intensifica o clima de
tensão entre as três personagens.
As atrizes portando uma indumentária (Karen Brusttolin) elegante
partindo de traços dos anos trinta com um subliminar sotaque de
contemporaneidade. Havendo discricionárias intervenções musicais numa trilha sonora (Marcelo H) prioritariamente incidental.
Em espetáculo que se alinha nos âmbitos do chamado Teatrão,
com prevalência de falas longas em detrimento da ação, marcado pelo embate teórico que
transita no desafio entre os dilaceramentos internos e o seu possível enfrentamento
através das teorias e práticas psicanalíticas.
Presidido pela obstinação de certezas absolutas de uma personagem impositiva e controladora - a Sra. Klein. Que através da luminosa performance de
Beatriz Nogueira explora sob convicta veemência todos os contornos psico/gestuais de um papel com potencial apelo carismático.
Em linhas dramáticas que se cruzam, a Melitta de Natalia Lage envereda por um subtexto confessional e
contundente, ao sustentar o argumento de que o irmão na verdade se suicidara
diante do desalento existencial, causado desde os abusos de métodos experimentais pela mãe na infância de ambos.
Enquanto, por outro lado, o ambíguo comportamento de Paula (por Kika Kalache) num dimensionamento entre a mãe e a filha, opta pelo que mais lhe convém. Aumentando o contraponto crítico e a luta de poder entre as três personagens femininas.
Havendo que se destacar o artesanal empenho da direção de
Victor Garcia Peralta para decifrar e fazer compreender, estética e emotivamente, uma textualidade grandiloquente, extensa e reiterativa com seu abuso de termos e noções psicanalíticas.
Sabendo como imprimir-lhe a pulsão de uma dramaturgia necessária tendo muito a dizer não só ao segmento psicanalítico, mas a todos os tipos de público que acreditam na força resgatadora da palavra teatral. Afinal, são as reflexivas palavras autorais de Nicolas Wright que contextualizam na medida exata a sua Sra. Klein :
“A função da maioria das peças, sejam elas Hamlet, Lear ou qualquer outra,
é fazer com que alguém descubra a verdade sobre si mesmo”.
Wagner Corrêa de Araújo
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