ANTÍGONA : DE VOLTA, NA TRÁGICA TRILHA DE UMA SAGA FAMILIAR



Antígona. Versão concepcional/Amir Haddad e Andrea Beltrão. Março/2023. Fotos/Guga Melgar.


É através da Trilogia Tebana, na potencial simbologia da teatralização do adverso destino da família tebana do Rei Édipo, que irá surgir um dos personagens femininos mais mitificados da cultura ocidental - Antígona.

Fruto geracional da tragicidade incestuosa do casal Édipo/Jocasta, ela desafia, pelo primado do afeto fraternal e da consciência livre, a arbitrariedade do poder governamental investido na chancela divinal do Olimpo. 

Na sua recusa de deixar insepulto o corpo do irmão Polinices, morto como o irmão Etéocles, no conflito entre ambos pela sucessão na Casa Real tebana, Antígona se contrapõe à proibição vingativa do tio Creonte (irmão de Jocasta).

Que  ao assumir, na vacância do trono, perdoara Etéocles dando-lhe uma tumba por simpatia à sua causa, mas quis fazer do cadáver de Polinices  alimento de abutres.

Numa transcendental afirmação do feminino, é Antígona que, assim, nesta sua corajosa postura antipatriarcal, denuncia a onipotência do autoritarismo estatal em detrimento das leis da consciência individual.

Esta quebra da lei positiva propugna a potencialidade do direito natural e faz a transmigração da dependência de origem deísta à libertação política e moral da civilização.


Antígona. De Sófocles. Amir Haddad / direção.  Com Andrea Beltrão. Fotos/Guga Melgar.


Ao imprimir uma nuance estética de contemporaneidade ao clássico de Sófocles, a concepção dramatúrgica a quatro mãos (Andrea Beltrão/Amir Haddad) nada mais é do que a transubstanciação da autenticidade e da permanência universal dos valores de Antígona .

A concentração de um gestual (Marina Salomon) de fisicalidade emotiva e vocalização imanente, entre o naturalismo dialogal e passagens cênicas de expansividade quase grandiloquente, aproximam a performance de Andrea Beltrão do público.

Que, assim,  compartilha de seu didatismo lúdico ao explicar o significado de cada nome grego (familial ou mitológico) inscrito num mural cenográfico, em incisiva entrega à representatividade de seu ofício.

Ora numa dialetação cotidiana ora na envolvência laminar com teatralizações da Trilogia Tebana, no sustentáculo de ocasionais variações de um descontraído figurino (Antônio Medeiros/Guilherme Kato), das raras incidências sonoras  (Alessandro Persan) e luzes vazadas mas de prevalente apelo climático (Aurélio de Simoni) . 

A simplicidade eficaz da proposta cênica de Amir Haddad se de um lado, tributa a ancestralidade das narrativas orais, por outro reafirma, enfim,  no seu referencial de historicidade grega e de dimensionamento psicológico cotidiano, o reflexivo  louvor de Sófocles à humanidade:

Muitos milagres há mas o mais prodigioso é o homem”.

 

                                                Wagner Corrêa de Araújo



Antígona em reestreia no Teatro Poeira, de quinta a sábado, às 21h; domingo às 19hs, no Teatro Poeira. Até 30 de abril.

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