Gaivotas, de Matéi Visniec. Fernando Philbert/Direção. Julho/2022. Fotos/Nando Chagas. |
“As revoluções não
levam a lugar nenhum. A única revolução que a humanidade poderia fazer era
conseguir que as pessoas se tornassem mais humanas. Não se pode
Esta frase dita pelo personagem Trigorin tanto pode remeter metaforicamente ao universo dramatúrgico do original de Tchekhov quanto à transposição de Matéi Visniec, em sua versão contemporânea
da peça sob um signo pós-dramático, titulada
como Nina ou da Fragilidade das Gaivotas
Empalhadas.
Através do uso da paráfrase, numa ressignificação simbólica do
sentido que o autor russo imprimiu à sua célebre Gaivota, esta é a segunda destas peculiares incursões do dramaturgo romeno (ao
lado de A Máquina Tchekhov) criando
uma ponte enigmática que une os dois criadores teatrais.
Em relação passional a três que estabelecem os personagens Trigorin,
Treplev e Nina, a posteriori já na proximidade de duas décadas, sob a ambiência conturbada dos anos da Revolução
Russa, numa casa perdida em compasso de solidão e de neve. Na pretensa reviravolta da
trama inicial, com a figurativa sobrevivência de Treplev e não a sua terminalidade por um suicídio.
E é ali que acontece um impulsivo e sensorial acerto de contas que reflete, antes de tudo, os pequenos grandes dramas da condição humana. Marcada ainda pela angústia da insatisfação direcionada à esperança do resgate de um futuro que nunca chega.
Bibiana Rozembaum como Nina em Gaivotas. Julho/2022. Fotos/Nando Chagas. |
Na concepção presencial (antecipada por moldes similares em plataformas
digitais no auge do período pandêmico) do diretor Fernando Philbert, um
reconhecido expert em montagens no entorno de Matéi Visniec, e aqui simplesmente titulada como Gaivotas em seu processo de adaptação.
Tendo no elenco, Bibiana Rozembaum (Nina), Savio Moll (Konstantin)
e Antonio Gonzalez (Boris), estes dois
últimos equivalendo com outra nominação respectivamente a Treplev e a Trigorin,
em utópico reencontro tríplice para compensar as frustrações do dia a dia de
cada um deles com respostas alternativas.
Em espetáculo sensorialmente primoroso pela performance qualitativa
de seus intérpretes, ampliada no gestualismo a eles imprimido por Marina Salomon, na captação de
uma conflituada psicofisicalidade.
Onde o desgosto na ânsia de um mergulho de volta às lembranças
boas e más, acreditando numa saída pelo sonho de um inatingível futuro ancorado no passado, é sintonizado com hábil conduta
direcional (Fernando Philbert) na decifração de uma atmosfera de lirismo e caos.
Sob indumentárias (Marieta Spada) ora marcadas pelo cotidiano em
Konstantin, ao lado de um referencial mais formal com Boris, junto à elegância quase principesca de Nina. Ressaltada ainda pelos
acordes sombreados da trilha incidental de Marcelo Alonso Neves, sugestionando ruídos sonoros da passagem de ventos entre nevascas.
Numa adequada combinação dimensional com a envolvente instalação
cenográfica de Natália Lana, com seu singular apelo à simulação frontal de blocos
de rochas cobertas de gelo. O que confere, no cerceamento físico do espaço ocupado
apenas por uma mesa e cadeiras, sob climáticos efeitos luminares (Vilmar Olos), a sensação de um intimismo quase claustrofóbico.
Em espetáculo que por sua segura construção das linhas dramáticas,
acrescida de passagens literais da Gaivota
tchekhoviana e de um enunciativo
texto de Domingos de Oliveira, remete ao prioritário conceitual estético/político
de Visniec.
Tão oportuno, como lição de fé no poder do verbo teatral, para
um conturbado momento que estamos vivendo, sob a ameaça de golpes autoritários
além de um assumido descaso à criação cultural:
“A palavra é uma forma
de resistência. Isso é uma forma de dizer que existe uma comunidade
internacional da resistência, com pessoas que fazem circular a cultura e
constroem pontes através dela”...
Wagner Corrêa de Araújo
3 comentários:
Quem não viu corre para ver, maravilhoso
Cristina Avila adorei seu texto. Queria muito ver a peça. Excelente resenha.
A peça é simplesmente brilhante. Parabéns para todos os envolvidos
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