TRIBUTO AO BALLET GULBENKIAN, pela Companhia Nacional de Bailado. Será Que é Uma Estrela, por Vasco Wellemkamp. Março 2015. Foto/Acervo Gulbenkian. |
A Fundação Calouste
Gulbenkian, sediada em Lisboa, sempre se destacou por sua intensa atuação a
favor da arte, especialmente a literatura, a música e as artes plásticas. Mas
também na dança ela alcançou um de seus pontos altos, a partir da criação, em
1965, do Grupo Gulbenkian de Bailado.
Walter Gore, coreógrafo inglês, se incumbiu em
dar ao recém-formado conjunto, categoria e nível internacional. O grupo estabeleceu
uma linha de trabalho e de pesquisa em que o repertório sempre se compunha de
obras modernas, mas sem deixar de lado obras clássicas fundamentais. Em 1970, a
direção artística foi confiada ao coreógrafo esloveno Milko
Sparemblek que, então conceituou seu ideário estético frente ao grupo Gulbenkian como “um balé contemporâneo e criativo, partindo de técnicas clássicas e
modernas para realizar um trabalho de vanguarda”.
Em setembro de 1972, quando a Cia esteve pela primeira vez no
Brasil, ela era integrada por 37 bailarinos de 12 nacionalidades, além de seu
variado staff de dirigentes e coreógrafos. O repertório incluía obras desde Massine e Serge Lifar a nomes então
emergentes da cena coreográfica, a partir dos anos 60/70, como Lar Lubovitch e Sparemblek. Dando prioridade, na trilha sonora, a partituras musicais contemporâneas,
inclusive obras eletrônicas.
Pareceu estranho ao público brasileiro a denominação do conjunto
como Grupo Gulbenkian de Bailado, já
que a palavra Bailado, para nós, era mais associada à dança folclórica, ou aos
bailes e danças de salão, e não a uma forma de arte erudita como é o ballet. Mas não sendo o grupo de destinação específica
como “clássico” e nem exclusivamente como “moderno’, a palavra Bailado era totalizadora,
não demarcando fronteiras e possibilitando uma perspectiva mais experimental na
qual se fundiam todas as tendências da arte da dança.
As criações do Grupo
Gulbenkian de Bailado tinham como característica marcante o espírito de
contemporaneidade, com o objetivo de situar-se dentro de uma linha de pesquisa e
renovação, embora calcada em bases neoclássicas. Ritmo e movimento, vigor e
dinamismo, técnica e expressão corporal, efeitos de cores, sombras e luzes,
ausência de cenários pesados ou figurinos luxuosos, inter-relacionamento da
música e das artes plásticas, despojamento para dar a exata sensação da dança
como “o puro ato das metamorfoses”(P. Valéry).
Com a preocupação de atualizar, expressando o nosso tempo,
mesmo na encenação de obras que pareciam
distantes da contemporaneidade como o Messias
de Haendel, transformado em
revolucionária peça moderna na coreografia quase abstrata de Lubovitch.
Ou, em “Antigas Vozes de Crianças”, sob música de George Crumb, concepção cênico/coreográfica de Vasco Wellenkamp, com base em poemas de Garcia Lorca, usando avançados
efeitos sonoros numa trilha sonora quase aleatória, conectando instrumentos de
percussão a um canto vocal de dicção decomposta. Onde as palavras não se
completavam e o objeto plástico, simbolizando um totem, também se desfazia para
se recompor em seguida por efeitos de projeção espacial, produzindo uma atmosfera
de total envolvimento mágico do espectador.
Depois de ter assistido à Cia pela primeira vez, em 1972, no
Palácio das Artes (BH), tive a oportunidade de acompanhar a trajetória deste
grupo da Fundação Gulbenkian em
outras turnês brasileiras. Como as dos anos 82 e 87, desta vez nos palcos cariocas,
trazendo várias obras de Olga Roriz, que
começara, depois de ser bailarina na Cia, uma surpreendente carreira de
coreógrafa.
GRUPO GULBENKIAN DE BAILADO. Sinfonia dos Salmos, de Milko Sparemblek. 1972. Foto/Acervo Gulbenkian. |
Vinte anos depois quando tive a chance de percorrer presencialmente todos os incríveis espaços da Fundação Gulbenkian, já não pude mais ter a emoção de reencontrar alguns de seus integrantes que conhecera desde sua première brasileira, como os então bailarinos Ger Thomas, Armando Jorge, Margery Lambert e Carlos Fernandes com os quais realizei uma longa entrevista para o Suplemento Literário do Minas Gerais (10/09/1972). Com inclusão dos então assistentes - Bernadete Pessanha - de “maitre de ballet” e de coreografia - Carlos Trincheiras. Este último optara por residir no Brasil a partir de contrato como coreógrafo/diretor do Balé da Fundação Teatro Guaíra em 1979, vindo a falecer, por aqui, catorze anos mais tarde.
Além de Trincheiras, que deu ao Balé Guaíra status de cia internacional, a primeira bailarina do Gulbenkian - Isabel Santa Rosa - radicou-se no Rio, inicialmente em 1977, como assistente de direção de Jorge Garcia no Balé do Theatro Municipal, seguindo-se, nos anos 80, como “maitre de ballet” no Grupo Corpo e na Cia. do Palácio das Artes, além de dirigir o Balé Guaíra, após a morte de Trincheiras. Enquanto isto, em Lisboa, a conceituada bailarina e diretora paulista Iracity Cardoso assumia o comando artístico da Cia, entre 1997 e 2003.
Por outro lado, entre os brasileiros que integraram o Ballet Gulbenkian, estão o bailarino Jair Moraes, este como um dos seus primeiros solistas por quase uma década e futura
personalidade relevante na arte coreográfica, especialmente em Curitiba. Além
do mineiro Tíndaro Silvano que iniciou ali sua
trajetória de formação internacional como bailarino, seguida de brilhante
carreira como coreógrafo brasileiro, com particular referência, entre os que o
influenciaram mais de perto, entre outros, ao português Vasco Wellemkamp.
O Ballet Gulbenkian tinha chegado ao seu fim, sem
voltas após algumas tentativas, a partir de 2005, deixando um legado coreográfico que não só marcou a história da dança contemporânea em Portugal
como também a nossa memória afetiva por seus intercâmbios artísticos com reflexos estéticos no Brasil.
Wagner Corrêa de Araújo
BALLET GULBENKIAN. Ensaio de Hans van Manen, com os bailarinos Graça Barroso, Jair Moraes e Carlos Trincheiras (ao fundo). Foto/Acervo Gulbenkian. |
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