FOTOS/GUGA MELGAR |
“A estrela é mais que
um ator encarnando personagens: ela
se encarna nelas e elas se encarnam nela”. Conceitual do sociólogo e
comunicador Edgar Morin que pode ser um referencial para a trajetória
artística e existencial da atriz Bibi Ferreira.
Em suas nove décadas de palco onde apareceu, pela primeira
vez, ainda como um bebê, ela é um
símbolo da própria história do teatro brasileiro entre dois séculos,
incursionando , sempre com brilho invulgar, na diversidade de gêneros e ofícios
da representação cênica.
Capaz de ser tragicômica,
melodramática, romântica e brejeira, mas também de assumir papeis de ativismo
político e pulsão social, trilhando, assim, alterativas mas sempre singulares passagens
pelo universo historicista de nossa dramaturgia.
Entre o ser praticamente a pioneira/intérprete de alguns ícones do musical americano nos palcos nacionais, com
suas inolvidáveis performances, exorbitando sua potencialidade de dotes
múltiplos não só como atriz mas de
cantora e de bailarina, em My Fair Lady, Homem de La Mancha, Alô Dolly!
Além, é claro do marco representativo no protagonismo
dramatúrgico insuperável como Piaf ,
ou com a visceral personificação em Gota
D’Água ou Brasileiro, Profissão Esperança.
Enfim, isto e muito mais compõe o auto-retrato desta “Bibi, Uma Vida em Musical”, com roteiro original a quatro mãos (Artur Xexéu/ Luanna Guimarães), sob o
artesanal comando diretorial de Tadeu Aguiar. Embora se possam fazer restrições
não só à reincidência cronológica do
musical biográfico à brasileira mas, ainda, a um certo fastio e resistência ao desafio por
uma trama dramatúrgica mais inventiva .
E mais provocante do que a mera simplificação do contínuo recontar
destas vidas, tendo como pano de fundo um
gênero artístico especifico, ora uma escola de samba , ora um picadeiro
circense. Sempre sob o risco do
superficialismo no dimensionamento psicológico
e no aporte reflexivo.
Felizmente, aqui , o
carisma desta partitura biográfica sobre uma grande dama da cultura brasileira , com reflexos além fronteiras, alcança uma
montagem cênica sem restrições, no ideário estético do bravo descortino de
Tadeu Aguiar e no retorno cúmplice palco/plateia.
Presencial no mix
criativo e de identidade da concepção
cênica (Natalia Lana) com o bom gosto indumentário (Ney Madeira /Dani Vidal).
Realçado nas variações luminares (Rogério Wiltgen) e enaltecido pela enérgica funcionalidade
da envolvência musical(Tony Lucchesi) inspirando um rico gestual coreográfico (Sueli Guerra).
Ecoando, enfim, qual rapsódia e quase
orquestralmente com seu competente ensemble
camerista, nas suas incidências entre o autoral (Thereza Tinoco) e a retomada de
um acervo composicional antológico.
Se no arcabouço estilístico há o incomodo da insistente temporalidade sequencial,
por outro lado há que se ressaltar o perceptível cuidado no registro enunciativo de
modos de fala à antiga, tão caros como o teatralismo comportamental de época, especialmente no primeiro ato.
Desde o assumir tipificações familiais, entre o pai Procópio
Ferreira (Chris Pena),a mãe(Simone Centurione) e a avó(Rosana Pena),
caracterizando, simultaneamente, os
liames do teatro popular e do circo na formação da atriz Bibi Ferreira(Amanda Acosta). E, justificando a opção narrativa por um espetáculo de lona e picadeiro, na
contação de casos e causos por um iluminado
mistificador mor, na divertida “cerimonialística” de Léo Bahia.
Neste animado desfile de personagens, há os de suporte
verista tais como os consortes amorosos da protagonista (por Leandro de Melo, Carlos Darze e Guilherme
Logullo) e os do imaginário personalístico, embora perdendo ponto na previsibilidade
de uma cartomante/cigana (Flávia Santana) e da desnecessária reaparição de uma segunda
apresentadora em dúplice atuação (Rosana Pena).
Mas é no encontro mágico da Bibi, razão primeira e última, que Amanda Acosta faz a prevalência de um musical
exemplar. Ela, aqui e agora, esta intérprete absolutamente pronta, com garra, máscara, vocalismo, de extensão lírica ao canto popular, no de(a)mais da técnica, esbanjando emoção, com força titânica para se expandir em cena e arrastar os espectadores nas surpresas de seus recursos dramáticos de atriz e
cantora.
Que assumindo o arquétipo de uma mítica teatralidade quase
centenária (Bibi Ferreira) e sem perspectiva crepuscular, refletindo, outra vez
com Morin, “entre as
duas personagens fazendo nascer um híbrido participante de uma e de outra, que
as envolve na unicidade estelar!"...
Wagner Corrêa de Araújo
BIBI, UMA VIDA EM MUSICAL está em cartaz no Oi Casa Grande,quinta e sexta, às 20h30m;sábado, às 17 e às 21h; domingo, às 19h. 140 minutos, com intervalo. Até 01 de Abril.
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