FOTOS/VICTOR HUGO CECATTO |
Na peça do francês Jöel Pommerat , estreada em 2013, a concepção original tinha uma espécie de corredor espelhando a plateia em lados
frontais, como se o amor fosse demarcado pelas forças opostas num campo de batalha.
As dezoito cenas , tituladas com projeções ao fundo, reunindo quarenta
e sete personagens em jogos de união e separação, perdas e ganhos, idas e
voltas, rompimentos e “reunificações”, qual
um território dividido politicamente ao meio, uma Coréia do Norte ou do
Sul no sonho de voltar, pela identidade afetiva, a ser um mesmo país.
Com seu sotaque diversificado ,ora insólito ora absurdo, ora teatro de boulevard ora tragicomédia, A
Reunificação das Duas Coreias
alcança,assim, uma singularizada concepção dramatúrgica com sua carga de contemporaneidade .
Aqui há traços referenciais, no seu sequencial narrativo ,de quadros/esquetes cênicos , tanto dos embates passionais na teatralidade de Arthur Schnitzler ( La Ronde), como dos conflitos dialogais em
Ingmar Bergman( Cenas de um Casamento).
Desde o imaginário inicial onde, na absurdidade de ignorar o corpo enforcado do marido , a sua mulher, indiferente,apenas o questiona com duas amigas .
Ou de uma esposa que opta pela solidão diante do "amor que não basta"do amante.Ou da criada cuidando de crianças inexistentes e que suprem, metaforicamente, o vazio afetivo de um casal.
Relacionamentos dissimulados em mal-entendidos ou tentativas da retomada de suas perdas em diferenciadas “reunificações”,configurando,enfim,um árido conceitual das incomunicabilidades cotidianas da condição humana.
E, segundo Pommerat, “é na imaginação do espectador que são
construídos os ecos, variações ou contrapontos entre as situações
apresentadas”. De alcance absoluto na invenção sensorial sob o comando de João Fonseca, capaz de clarificar,
com inteligente e sutil intencionalidade, as ressonâncias intimistas desta obra aberta a incisivas reflexões
psico-filosóficas.
Sensibilizada, ironicamente, nos “entreatos” de canções
populares francesas integradas ao score sonoro/musical(Leandro Castilho) e nas modulações da pesquisa gestual(Alex Neoral).Além da
funcional maleabilidade cenográfica(Nello Marrese)e do acerto de figurinos(Antônio
Guedes),sob luzes artesanais (Renato Machado).
Numa encenação meticulosamente estruturada, ainda que incorra num quase monótono prolongamento. E com um elenco de adequação exemplar(Louise Cardoso,Bianca Byington,Solange Badim, Verônica Debom,Marcelo
Valle, Gustavo Machado,Reiner Tenente) ao sustento dramático,com senso crítico, de uma performance de consistente e homogêneo alcance da fisicalidade e do emocional .
Mas, afinal, um espetáculo que deve,isto sim, ser obrigatoriamente conferido
pela complexidade psicológica de seus personagens e pelo substrato estético na
abordagem de uma temática que se identifica, entre o riso e a dor, com cada um
de nós.
A Reunificação das Duas Coreias está em cartaz no Oi Futuro,Flamengo, de quinta a domingo, 20h.110 minutos. Até 28 de agosto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário