Renata Mizrahi está de volta com mais uma incursão dramatúrgica sobre o complexo universo das relações humanas. Outra vez reunem-se, amigos ou amantes, a partir de um determinado fluxo ou de chegada , no prólogo, ou de partida, no epílogo.
Assim foi na bem urdida trama de Os Sapos no companherísmo do encontro numa casa praiana, como nos parentes juntando-se para uma comemoração judaica em Silêncio ou o acaso que aproxima, num bar, um artista cego e um carente pai de família, em Galápagos. E, agora em War, dois casais em visita a outro casal, para o compartilhamento passageiro de seus destinos.
Em todas estas instâncias há um combinado, coincidente ou proposital vir/partir , de uma inicial calma emotiva à transmutação em detonadora e inesperada reação, no transcurso frontal corpo a corpo.
E é, aí, evidente a crescente maturidade textual da autora, no seu singular trajeto teatral. Sem deixar , em nenhum momento, se deixar apenas levar pelo sequencial encadeamento trivial, pois sua linguagem tem uma natural autenticidade , ora entre o tom confessional, na exteriorização do pensar interior, ora na expositiva gestualização do mais óbvio cotidiano.
Usando como pretexto uma partida , entre casais, do conhecido jogo War, André ( Ricardo Gonçalves) e Marília (Natasha Corbelino) promovem um "open house" de seu apartamento , recebendo Gustavo( Fabrício Polido) e Roberta( Verônica Reis), além de Sérgio (Camilo Pellegrini) e Laura ( Clara Santhana) .
Enquanto aguarda os convidados, o casal anfitrião lamenta o que se tornou para eles uma frustração, a troca da agitada zona sul carioca pelo isolamento de um distanciada morada. O tom maior de amargura se evidencia nas queixas de André ao ver seu sonho criador, como roteirista cinematográfico ,ser anulado diante do tédio . Capaz de refletir-se, ainda, na incapacidade de um sólido embate amoroso com Marília.
Por outro lado, Gustavo e Roberta mantem as falsas aparências de um casal na inconstância de quem apenas mora junto ,sem quaisquer derivações afetivas. Completando-se o grupo com a inusitada novidade de Sérgio , convicto solteiro,amarrado ,de vez, à recém namorada Laura.
E , assim, o jogo de invasão e conquista militarista propugnado pelo tabuleiro de War, se transmuta numa disputa de poder egocêntrica, capaz de gerar uma torrente de paixões ácidas , conectando-se apenas numa tessitura de orgulho e fracasso, ironia e mágoa, entre verdades e mentiras.
O alcance climático, humorado mas de pesada carga, é acentuado pela pontual exacerbação do comando de Diego Molina, onde é visível o desmoronamento físico da arquitetura cênica ,em dúplice concepção com Lorena Lima. Mesmo com o uso de elementos referenciais dos anos 80 ( LPs , uma trilha roqueira de ecos nostálgicos (Renata Mizhari), a ausência de celulares),há um claro traçado de atemporalidade nos figurinos ( Patricia Muniz), sob as luzes vazadas de Anderson Ratto.
A sincronicidade do elenco , embora favorecendo mais um ou outro personagem como os desafetos de irônica mordacidade de Verônica Reis ou a impulsividade gestual de Clara Santhana , completa um quadro , referenciado pelo popular jogo, de desequilibrado front de guerra, na qual todos atuam numa milícia coletiva,mas onde cada um só é solidário enquanto o próximo lhe for útil .
Retificado com um vitorioso lance inventivo de dados que ,enfim, reafirma a potencialidade desta já icônica representante da nova dramaturgia brasileira.
Retificado com um vitorioso lance inventivo de dados que ,enfim, reafirma a potencialidade desta já icônica representante da nova dramaturgia brasileira.
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