REVELADORAS INCURSÕES INVESTIGATIVAS DE UM TEATRO QUASE VERDADE

O PASTOR. Foto/Janderson Pires.

Continuando o ''Inventário da Temporada 2014" ...
Três peças mostram os novos caminhos do chamado Teatro Documentário. O Pastor e Acabou o Pó, ambas de Daniel Porto, e Olheiros do Tráfico, de Moisés Bittencourt.

Começando por O Pastor com a proposta documental de um culto evangélico, levada ao limite entre a representação cênica e uma postura naturalista, que remete a experiências do teatro verdade ao neo realismo cinematográfico e até ao sugestionamento de uma quase matéria jornalística ao vivo.

Impressiona a pesquisa laboratorial que certamente fizeram seu autor Daniel Porto na criação dramatúrgica e o elenco na proposição cênica e figurinos por Karlla de Luca, sob acertada direção de Carina Casuscelli.

Em substrato dramático com um sotaque de irônico humor que envolve, em apelo carismático, os 30 espectadores - a lotação completa por sessão de um pequeno espaço cênico alternativo com crítico referencial de templo evangélico.

Em performance que faz interagir no mágico carisma palco-plateia e no destaque especial pela afinada atuação do protagonismo titular de Alexandre Lino, junto a uma equilibrada interpretação do elenco coadjuvante (Katia Camello e Cesário Candhí).

ACABOU O PÓ. Foto/Janderson Pires.

Outro experimento dramatúrgico com revelação autoral da mais recente geração da cena carioca é, também, através de Daniel Porto. Agora, no seu segundo texto dramatúrgico para público adulto - Acabou o Pó - com aprofundamento do estudo de caracteres comportamentais do cotidiano.

Se em sua peça inicial - O Pastor - teve como signo um teatro documental ao abordar, com extrema verossimilhança, os desmandos obsessivos que a religião pode exercer sobre as mentes prisioneiras de seus asseclas ele continua, aqui, sua busca investigativa por um teatro de sustento verista.

Mantendo o contexto cênico de um retrato sem retoques das mazelas sociais Daniel Porto prioriza uma postulação crítica e sua consequente absorção no posicionamento reflexivo do público.

Outra vez, são quebrados os limites palco/plateia numa encenação despojada (Karlla de Luca) à base da singularidade de uma mesa rústica, rodeada por cadeiras e coberta de utensílios domésticos, onde os personagens assumem os valores suburbanos cotidianos de duas donas de casa - Kelly (Alexandre Lino) e Nena (Leo Campos).

A loquacidade de seus diálogos, de autêntica ingenuidade, vai revelando os fatos mais comuns e corriqueiros daquele pequeno mundo de conflitos, decepções, crises afetivas e carências financeiras.

Sob o efeito de luzes ambientais (Binho Schaefer) e conseguindo escapar de posturas estereotipadas, os dois atores se apoiam com acertada naturalidade e ritmo, em coesa nuance humorística, sob o firme comando diretorial de Vilma Melo.

Que, pela proposital ausência de aparatos cenográficos, acaba possibilitando, assim, maior concentração focal da plateia, tornando factível a condução ao riso, teorizado filosoficamente por Rabelais,  como a mais útil de todas as formas de crítica, por ser a mais acessível às multidões.

A outra peça que surpreende, nesta mesma linha de pesquisa, é Olheiros do Tráfico, com texto e direção de Moisés Bittencourt, reunindo dois atores jovens originários de grupos teatrais fora do circuito Zona Sul que assumem os personagens com tal dose de veracidade, no linguajar e no gestual, que torna absolutamente funcional a chancela de Domingos de Oliveira na supervisão da montagem:

"Excelentes atores sobre todos os aspectos. É uma história difícil de contar, porque é uma história do tráfico. Da injustiça social que já foi contada dez mil vezes, mas acho que tem histórias que tem que ser contadas sempre".

A concepção perde apenas por um desnecessário didatismo de reiterativa simplificação narrativa linear e que acaba, num tom abaixo, interferindo no fluxo sequencial para o alcance mais verista desta trama dramatúrgica inspirada na ambiência marginal das comunidades.

Mas valendo, sobremaneira, pelo convicto desempenho dos jovens atores Sandro Barçal (Crika) e Bruno Suzano (Tavim) que estão a merecer seu lugar ao sol no competitivo mundo das séries jovens televisivas.

Infelizmente ocupado muitas vezes por atores iniciantes de menor qualificação,  disfarçando a falta de talento sob o signo de"galãzinhos"de mídia e de ocasião.

                                        Wagner Corrêa de Araújo

OLHEIROS DO TRÁFICO. Foto /Márcio RM.

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