MEMÓRIAS COREOGRÁFICAS EM TONS OUTONAIS PARA TEMPOS NEBULOSOS

O SEGUNDO SOPRO / BALÉ TEATRO GUAÍRA/  Maio 2019. Foto - MARINGAS MACIEL 

Há exatamente seis anos atrás...março de 2014.

Estamos lembrando a abertura da temporada 2014 de dança carioca neste momento de tanta incerteza. Que trazia o Balé do Theatro Municipal/RJ numa proposta camerística com duas remontagens de repertório contemporâneo. Mostrando as coreografias Nuestros Valses, do venezuelano Vicente Nebrada, e Novos Ventos, da paulista Roseli Rodrigues.

"Uma apresentação com nuances mais intimistas, com score musical apenas pianístico nas duas montagens, não chegando a criar maior envolvimento da platéia com a proposta, embora tenha seus bons propósitos e seja bem cuidada cênica e tecnicamente.

No caso específico, de Nuestros Valses, uma sequência de movimentos ora em duos, solos, quartetos, ora no conjunto de todos os bailarinos do BTM/RJ, em sua tentativa de evocar o clima das valsas de sotaque vienense, no final do século XIX, mas  com um olhar latino americano.

Privilegiando um arranjo mais próximo da música tradicional venezuelana que, às vezes, também traz uma lembrança de nossos velhos saraus musicais, tão comuns entre as famílias brasileiras, com ancestralidade poética muriliana ao serem cercadas de pianos por todos os lados.

NUESTROS VALSES / BALLET DO THEATRO MUNICIPAL, Março 2014.

Já com referência a Novos Ventos, um dos grandes êxitos da criação coreográfica de Roseli Rodrigues para o seu Grupo Raça, ressalto como suas criações provocavam um verdadeiro frenesi no público do Festival de Dança de Joinville anos 90.

Testemunhei, pessoalmente, isto nas inúmeras vezes em que participei do evento ora fazendo matérias especiais para a antiga TVE, como diretor do programa Caderno 2, ora como curador de mostras de cinema e vídeo do Festival, ora como crítico e jurado de Dança Contemporânea. Isto a partir de 1994, quando Roseli e seu Grupo eram um must absoluto e, decididamente, os mais ansiosamente aguardados como ídolos potenciais daquelas acontecências coreográficas.

Depois, já no despontar da primeira década do terceiro milênio, voltei com a equipe da TVE desta vez com a missão de produzir um especial sobre os 30 Anos do Balé Teatro Guaíra em Curitiba que, naquele momento, vivia uma de suas melhores fases com a entusiástica direção artística de Suzana Braga. Ali estava novamente Roseli Rodrigues criando talvez o seu mais belo trabalho, especialmente concebido para a mais famosa cia de dança paranaense.

O especial, com a íntegra documental e videográfica da coreografia O Segundo Sopro, acabou se transformando num dos maiores êxitos da programação da TVE, além da extensa turnê nacional realizada pelo Balé Teatro Guaíra na época, com unânime aplauso do público e da crítica.

Hoje, passados tantos anos, pode se perceber que esta criação, usando como prevalência, de substrato estético, os quatro  elementos - água, ar, vento, terra -  em apresentações com efeitos referenciais ao vivo destes fenômenos, teve um impacto muito grande por seu caráter inovador para aquela época. Emblemático, ainda, por sua lírica e inusitada abordagem da questão ambiental.

Que ao ser comparado com a remontagem 2014, do Balé do Municipal carioca, para este outro trabalho de Roseli - Novos Ventos, de certa similaridade coreotemática sobre a natureza, acaba deixando um gosto amargo de saudade e nostalgia. O público carioca reagindo com certa discrição e aplausos muito comedidos, longe do entusiasmo original em torno das provocativas invenções cênicas e do energizado gestual que ela tão bem sabia imprimir.

Presencial, sempre, pelo privilégio de termos testemunhado de perto, tanto nos Festivais de Dança de Joinville (através do Grupo Raça) como no palco do Teatro Guaíra com o Balé Teatro Guaíra quando esta Cia. completava 30 anos, o que gerou um dos históricos  documentários artísticos da finada TVE - RJ. 

E, também, no caso específico de Novos Ventos em sua concepção original, causando tanto frisson quando de sua estréia, inclusive com o uso da introspectiva música de Eric Satie, num gestual coreográfico investigativo e envolvente pela sua contemporaneidade".

Enfim, conectando épocas promissoras a tempos tão nebulosos, não teria razão o verso de um soneto camoniano, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades?...


                                                Wagner Corrêa de Araújo

O SEGUNDO SOPRO/ BALLET DO THEATRO MUNICIPAL/RJ, março 2014.

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