FOTOS/ FLAVIA CANAVARRO E ISMAEL MONTICELLI |
“Você pode imaginar um pedaço do universo / mais adequado para príncipes e reis?/ Eu trocaria dez das suas cidades pela Ponte Marion”... Foi a partir deste verso de uma popular canção folclórica canadense que Daniel Maclvor se inspirou para escrever Marion Bridge, com versão para o palco e para as telas.
E que, agora, tem sua primeira montagem brasileira titulada A Ponte, sob o comando
concepcional de Adriano Guimarães para bem cuidada tradução de Bárbara Duvivier, dramaturgicamente viabilizada
por Emanuel Aragão.
E não há como não detectar traços que tornam próximo o drama
doméstico das três irmãs de Daniel Maclvor
daquele vivenciado pelo celebrado trio familiar feminino no retrato
dramatúrgico de Anton Tchekhov.
Numa província da pequenina comunidade de Marion, na Nova Escócia, identificando-se no
mesmo desejo de alcançar o paraíso do sonho, onde o lugar da distante Moscou,
aqui, é metaforizado como uma ponte.
Perceptível, ainda, na prevalente angústia de uma
melancólica expectativa pelo ansiado dia neste espaço que, enfim, transcenderia,
em processo redentor, as adversidades na trajetória existencial das três irmãs.
Agnes (Debora Lamm), uma atriz frustrada refugiando-se
no álcool, Theresa (Bel Kowarick),
freira de santidade prosaica numa comunidade agrícola, e Louise (Maria Flor), a caçula, disfarçando suas inseguranças nas novelas e
séries televisivas.
Na patética busca por acertos de conta do passado e pelo questionamento
do futuro, em vidas paralelas pela consanguinidade, no decisivo reencontro
deste tríduo feminino parental motivado pela iminência terminal da mãe agonizante.
Onde a paisagem cenográfica realista (Adriano Guimarães e Ismael
Monticelli) lembra uma instalação plástica na sua prevalência tonal rubra e
sob dispersivos elementos materiais. Sugestionando uma cozinha, centralizada por
uma extensa mesa ladeada por objetos de uso doméstico, encimada no painel ao fundo por
uma cruz em néon.
Com ambientalistas efeitos luminares vazados (Wagner Pinto) e figurinos
de sotaque cotidiano (Ticiana Passos), extensivo ao gestual (Denise Stutuz), no entremeio
de saídas e entradas das atrizes, sob sutis e episódicas intervenções sonoras.
Ao compasso das lembranças dos tempos de convívio familiar e das
pós-experiências vivenciais de cada uma das personagens, afloram
ressentimentos, explosões nervosas e desabafos amargos, na esperança de uma contemporização
só passível num possível passeio à ponte.
Em potencializada representação da irreverência desmoralizante
com a Agnes, de Debora Lamm, reabrindo
feridas em torno da sua gravidez indesejada e da ausência paternal, num dos melhores
papéis de sua carreira. Confrontando-se com os silêncios e a apatia de uma Louise taciturna conceituando o mundo pela televisão, em performance mais discricionária
de Maria Flor.
Ambas sendo direcionadas pelas interveniências com apelo moral/religioso
de Theresa (ainda que esta disfarce sempre suas dúvidas e descrenças pessoais) para fazer
frente aos estigmas disfuncionais, em polos radicalmente opostos, das duas outras irmãs. Numa convicta entrega psicofísica
de Bel Kowarick ao papel, este de reflexo mais conciliador.
Para fazer frente a um texto mais conservador de Daniel
Maclvor, depois da maior ousadia e avanços de peças suas já vistas na
cena brasileira (In on It, à Primeira
Vista, Aqui Jazz Henry, Cine Monstro), a direção de Adriano Guimarães, mais
uma vez, procura para dar livre pulsão a um teatro sintonizado na contemporaneidade.
Com as inventivas rubricas de seu jogo cênico, tanto na competência
artesanal para conferir ao espetáculo um substrato estético plástico, como pelo
alcance de uma energizada teatralidade de coesa interação das passagens mais dramáticas
àquelas com maior lastro de comicidade, fazendo, assim, de A Ponte uma das boas surpresas da presente temporada teatral.
Wagner Corrêa de Araújo
A PONTE está em cartaz no Teatro II, do Centro Cultural do
Banco do Brasil/RJ, de quinta a segunda, às 19h30m. 120 minutos. Até 12 de
agosto.
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