COMO SE UM TREM PASSASSE: SOB ESPONTÂNEA E FUNCIONAL SIMPLICIDADE


FOTOS/ PATRICK GOMEZ

Mais um nome significativo da nova dramaturgia argentina, dividindo-se entre a criação cinematográfica e no engajamento com as causas feministas, especificamente ligadas à afirmação da diversidade sexual e ao movimento LGBT.

Estamos nos referindo a Lorena Romanin que, além de reconhecida trajetória cinematográfica com participação em festivais internacionais, é autora de um dos recentes fenômenos populares e críticos dos palcos porteños com a peça Como Se Passasse um Trem.

E que, agora, chega à cena carioca, replicando a direção autoral de Buenos Aires e reunindo um elenco carioca integrado por Dida Camero, Manu Hashimoto e Caio Scot. Este último, ao lado do produtor Junio Duarte, como idealizadores da versão brasileira, sob comando diretor/concepcional de Lorena Romanin.

Em trama assumidamente despretensiosa ao se inserir num contexto de tipicidade cotidiana para enfocar uma temática de crise familiar e conflito geracional, pais e filhos adolescentes, em ambiência de classe media interiorana.

Onde uma super madre (Dida Camero) mantem um filho especial Juan (Caio Scot) sob permanente defesa e superproteção, nas barras da saia. Alheado ao mundo exterior e que, no não existir celular, tevê a cabo e internet, preenche seus dias com um trenzinho de corda. 

Submisso e submerso ali, mas de extremada afabilidade,  sempre indagando pelo pai ausente com quem é impedido de falar, por magoada reação de uma mulher separada.

Até a chegada da prima Valéria (Manu Hashimoto), adolescente acostumada às viciosas benesses da metrópole/capital, tendo como justificativa inibir seus anseios libertários (incluído o uso da maconha) numa simples casa da província, sob o olhar vigilante da tia dominadora.

Mas que, nas ausências da dona da casa, acaba é incitando o primo a satisfazer desejos embarcando, em delirante viagem, num trem de verdade. No entremeio de insinuações sobre sexualidade e de excitante disco music partilhada com entusiasmo por Juan Ignacio, em energizada coreografia (Deisi Margarida) a dois.

Maior previsibilidade não poderia haver, no simplismo emotivo da abordagem de conflitos adolescentes com suas conclusivas e já tão esperadas atitudes comportamentais.  Neste lugar comum do confronto de idades, ecoando no modo de pensar e de  agir e no que há de resultar tanto para um lado quanto do outro.

Mas apesar da pressuposição deste situar-se à superfície, de um status quo próprio a qualquer família e a qualquer classe social, o que cativa nesta montagem é a química imprimida pelo convicto direcionamento de Lorena Romanin. Ciente de como melhor revelar, surpreender e conectar estes personagens na cotidianidade, em segura e fluida sintonia psicofísica.

Ampliada pelo substrato realista de concisa arquitetura cenográfica (Dina Salem Levy), de funcionalidade interativa e intimista nas pequenas dimensões de um espaço aproximativo plateia/público. Sob um desenho de luzes vazadas (Renato Machado) e figurinos (Julia Marques) para caracterização temporal dos personagens.

Na sensorial e absoluta entrega de um personagem frágil e sensível como o de Caio Scot sabendo explorar o diferencial mental/físico de menino num corpo adulto, sem se deixar levar pela falsa e fácil afetação do estereótipo. Com menor favorecimento, em passagens e culminâncias, para o papel de Valéria (Manu Hashimoto) como em sua representação.

Enquanto Dida Camero constrói sua performance tomada de paixão sabendo como equilibrar exagerada tensão e risível irritabilidade, em instintivo dramatismo que une os dois personagens – mãe  e filho – e atrai a cumplicidade do público. Dando, enfim, vontade de embarcar naquele ou em qualquer trem para o que der e vier...

                                         Wagner Corrêa de Araújo


COMO SE UM TREM PASSASSE está em cartaz no Teatro Poeirinha, Botafogo, quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h. Até 28 de abril.

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