FOTOS / CAROL BEIRIZ |
“Senhora dos Afogados também foi vaiada na estreia e também considerei fabuloso. Faz parte do teatro desagradável, das peças desagradáveis”.(Nélson Rodrigues)
No entorno do destino fatalista de trajetória centenária da
família Drummond, entremeando traições, incestos, suicídios e assassinatos,
pela convergência do trágico, do seu arquétipo ancestral grego ao seu olhar contextualizado na contemporaneidade brasileira. Além de um referencial
aproximativo, por seu tempo mítico e compasso transgressivo, à “Electra Enlutada” de Eugene O’Neill.
Era o ano de 1954 e a peça tinha estreado no palco do
Municipal carioca, o que simbolicamente estabelecia uma ligação cenográfica com
o universo da ópera. Ao qual Nelson Rodrigues sempre foi chegado pela nuance
melodramática de um gênero com prevalência obsessiva da angulação temática amor
e morte.
E que, na habitualidade da experiência inventiva do diretor
teatral Jorge Farjalla com incursão em montagem operística, acaba deixando
imprimir um halo estilístico e um gosto estético de teatro/ópera nesta recente dramatização de Senhora dos Afogados.
A começar de icônica paisagem cenográfica (José Dias) concentrada
num farol à beira mar, entre arbustos secos com alusões ao mangue nordestino,
em climatização quase espectral sob sombras e incidências focais luminares
(Vladimir Freire e Jacson Inácio).
Onde o mar, com sua incisiva simbologia no conceitual dramatúrgico, é abstratamente absorvido no ruído de suas ondas ouvidas entre as
falas dos personagens e as intervenções musicais (João Paulo Mendonça), tais como recitativos ao vivo ou em sonoridades grupais especulares de um coro da tragédia grega.
O enunciado burlesco da indumentária e seus apetrechos (Jorge
Farjalla/ Ana Castilho) carrega nos tons melancolizados, do ocre dos tecidos envelhecidos
à morbidez da mascaração, acentuada na
maquiagem e no visagismo (Vavá Torres).
Numa progressão dramática e narrativa em que as personificações
se dividem entre uma questionada Dona Eduarda (Alexia Deschamps) diante dos desafios
da filha Moema (Karen Junqueira), na sua
paixão psicofísica pelo pai Misael Drummond (João Vitti),
e na provocação transgressora de um encontro amoroso de seu noivo (Francisco Vitti e/ou Rafael Vitti) com a mãe dela para vingativo acerto de contas.
No paralelismo de outros personagens assumidos por Nadia
Bambirra, Leticia Birkheuer, Jacqueline Farias e Du Machado. Convergindo de manifestações do complexo edipiano a ressentimentos violentos, desejos obsessivos e
delírios eróticos. Em quadros sacro / profanos, de simulacro e revelação, desmistificando
falsos pudores convertidos em instintos criminosos a partir do inconsciente
familiar.
Com todos os ingredientes de valoração da saga mítica (na definição de Sábato Magaldi) ao lado de Albúm de Família, Anjo Negro e Dorotéia, inventariada no legado autoral do dramaturgo, esta Senhora dos Afogados, mesmo assim, acaba não alcançando, na sua
integralidade, os avanços investigativos da proposta encenadora.
Na potencializada manipulação, com justaposição reiterativa à beira do grandiloquente, do elemento
alegórico, na simbiose ritualística da cruz e dos orixás, a montagem enfrenta o risco iminente de cair no hermetismo e
no consequente desagrado do público.
Agravado por um perceptível desequilíbrio das representações
protagonistas, revelando insegurança e pouca convicção ao se deslocarem do comportamento
realista acional para o progressivo fluxo de onirismo e de pesadelo. No
contraponto do favorecimento de papéis menores que não incorrem na similaridade
desta rubrica.
Em espetáculo que, entre apostas e quedas, desvela maior
compensação, a partir de envolvência estética na plasticidade visual da sua concepção cênica, buscando outros significados imagísticos e reflexivos além do poder verbal do complexo
texto rodrigueano.
Wagner Corrêa de Araújo
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