O JORNAL-THE ROLLING STONE: CRIMINALIZANDO O AMOR ENTRE IGUAIS


FOTOS/ANA BRANCO

Stephen Frears, com o documentário Meu Nome é Kuchu,  2012, armou o olhar mundial  sobre a sanguinária onda governista anti-gay na Uganda, a partir do assassinato do ativista LGBT David Kato, empenhado contra a pena capital oficializada para os gays daquele país africano.

Na alerta do contraditório uso titular referencial, por um órgão da imprensa local(The Rolling Stone), de um dos emblemáticos signos da liberação comportamental e do pensamento através de uma banda roqueira antológica, com fins espúrios ao listar ali os gays  nominalmente criminalizados.

Tema recorrente na abnegada relação afetiva do jovem ugandês Dembe(Danilo Ferreira) e o médico irlandês Sam (Marcos Guian), em violento jogo de sobrevivência sob pedras rolando, midiaticamente, a favor do preconceito e da perseguição ao amor homoerótico.

Conduzindo, assim, a trama dramatúrgica de O Jornal- The Rolling Stone, do inglês Chris Urch e que chega, agora, aos nossos palcos sob comando de Kiko Mascarenhas, tendo Lázaro Ramos na codireção, em apurada tradução/versão de Diego Teza.

Onde o encontro amoroso Dembe/Sam tem suas derivações nas personificações familiais do primeiro, na rigorosa pulsão matriarcal da tia Mama (Heloísa Jorge), no irmão primogênito Joe(André Luiz Miranda), tornado pastor radicalmente conservador, e nas duas quase  irmãs , pela cumplicidade compreensiva da consanguinea Wummie(Indira Nascimento) e no sofrido mutismo nato da  prima Naome(Marcella Gobatti).

Numa concepção cenográfica de bela plasticidade circular (Mauro Vicente Ferreira), sabendo equilibrar o  sugestionismo de seus raros elementos físicos (na mutabilidade de blocos de madeira que ora simbolizam um barco, ora bancos de uma igreja ou de uma ambiência residencial),com elegantes marcações luminares(Paulo Cesar Medeiros).

Extensiva à discrição indumentária(Tereza Nabuco) em tons pastéis. Contrastada apenas na camisa de aquarelismo quase tribal de Dembe que, também, se reflete nos acordes sonoro/vocais afro/brasileiros da trilha(Wladimir Pinheiro). E é especular, ainda, na gestualidade de aproximativa nuance coreográfica ( José Carlos Arandiba).

Na textualidade deste jovem dramaturgo, a postura gay é condenável tanto por razões políticas como por motivação religiosa, a partir do devassamento da intimidade homoerótica com a publicação de fotos como qualquer anúncio policial de procura-se.

Havendo uma progressão dramática mais incisiva no alcance psicofísico da segunda parte, acirrando os ânimos de seus personagens em frentes opostas. No dilema moral e na ambiguidade da adesão , entre a aceitação silenciosa ou a odiosa repulsa familiar ao solitário grito contestador de um apaixonado casal de iguais.

Com absoluta sintonização de um elenco sustentado por um comando diretorial (Kiko Mascarenhas) revelador, tanto no seu dimensionamento psicológico como na sua exteriorização de um cotidiano de retrógrado colonialismo na sua mediocridade e na sua crueza verista.

Sem deixar de destacar, das sutis marcações interpretativas de Indira Nascimento e Marcela Gobatti,no papel respectivo da irmã e da prima , à angustiante certeza de Marcos Guian( Sam), à distância, como causa secreta do mal familiar, exacerbada nas prédicas evangélicas de um convicto Joe por André Luiz Miranda.

Com perceptível domínio da performance, tanto nas flutuações emocionais de enfrentamento do jovem ator Danilo Ferreira(Dembe)como na impositiva radicalização expressiva da experiente atriz Heloísa Jorge (Mama).

Tudo, enfim, concorrendo para um elogiável investimento estético/ideológico sob a dúplice chancela artístico/teatral de Kiko Mascarenhas/Lázaro Ramos. Por um oportuno e necessário espetáculo, em tempos de regressivo obscurantismo contra os avanços da livre manifestação da identidade racial e das opções da sexualidade.
                                    
                                               Wagner Corrêa de Araújo


O JORNAL - THE ROLLING STONE está em cartaz no Teatro Poeira/Botafogo, de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h. 90 minutos. Até 25 de fevereiro.

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