AYRTON SENNA – O MUSICAL: PERDENDO A CORRIDA...

FOTOS/CAIO GALLUCCI

Ele era o padrão ideal do jovem esportista bem sucedido dos anos  80/90. Em pouco mais de uma década, o paulista Ayrton Senna tinha sido o primeiro brasileiro a se tornar uma referência nas competições automobilísticas mundiais.

A brusca e fatalista interrupção de sua carreira de campeão, em maio de 1994,  fez com que os compatriotas armassem seu olhar pranteado em torno do ídolo que a mídia internacional elevara ao Olimpo do esporte, como heroico e histórico baluarte da Fórmula 1.

Com o propósito de fazer um tributo do palco musical a um encantador mor da pista dos autódromos,a Aventura Entretenimento idealizou Ayrton Senna – O Musical. Para, assim, depois do cinema britânico e da passarela do samba carioca, memoriar o último dia de um atleta lendário.

Mas, aquilo que poderia significar até mesmo a exploração de um inusitado tema para o desgastado filão do musical biográfico nacionalista,acabou transubstanciando, ironicamente, uma corrida perdida com a infeliz titularidade do passaporte de um ilustre e invicto competidor. 

Como,se num burlesco e patético conceitual, sucessivamente, fossem desmoronando cada um dos elementos dramatúrgicos/musicais de um projeto artístico/empresarial inicializado há três anos.

A começar do fragilizado roteiro a quatro mãos(Cristiano Gualda e Cláudio Lins),com uma irregular progressão dramática , acentuada por uma textualidade previsível, nos desacertos da construção linguística/poética de seu libreto que, por vezes, beira do simplório ao ingênuo.

Onde as canções(Cláudio Lins, na parceria com Cristiano Gualda), compostas especialmente para o espetáculo, soam isoladamente, sem qualquer conexão lógica e empática com o que se pretende no enredo,funcionando quase como esquetes que não dão organicidade e não sustentam o acionamento narrativo,apesar do perceptível esforço no comando musical  de Felipe Habib.

Sugestionando a tematização ficcional do que se passa, aleatoriamente, nos espaços siderais da mente personificada como Ayrton Senna (Hugo Bonemer), sua temporalidade é alterativa e sem sequencial cronológico, com efeitos ora funcionais, ora dispersivos.

Desde as lembranças passadas de sua fase pré-adulta, onde ele é conhecido pelo apelido de Beco(João Vitor Silva) em dialetação com o menino Wandson(Lucas Vasconcelos),a esboços familiares entre os pais e namoradas sem clara identificação. Paralelo à representatividade da corrida terminal e seus tipos técnico/profissionais, com maior relevância interpretativa de Victor Maia como um engenheiro.

Ao lado de um elenco de dançarinos/acrobatas que dão visibilidade corpórea a uma polivalente metaforização cenográfica(Gringo Cardia) de efeitos plástico/visuais, potencializada no desenho de luz(Renato Machado), na estética circense e futurista do gestual coreográfico(Lavinia Bizzotto),ainda que bastante mecanizado, e da indumentária ressaltada em néon(Dudu Bertholini).

Diante desta extravagante parafernália cênica, mais voltada para o imediatismo provocador da espetacularização, a  montagem acaba incorrendo num exagero sem aparos estilísticos, nos seus ecos virtuais LED3D/Second Life, com apelativo referencial dos videogames. 

E nem a autoridade diretorial de Renato Rocha, com significativas passagens pelo circo/teatro e no musical/coreográfico, é capaz de insuflar convicção ao descontrolado exibicionismo “criador” desta superprodução.

Que , afinal, acaba por desconcentrar a fixação do espectador no dimensionamento psicológico do piloto/personagem que se pretende inventariar em teatralização musical, através da performance de Hugo Bonemer.

E até este, mesmo com a prevalente adequação de sua fisicalidade e de sua garra vocal para explorar todos os contornos do papel titular, não consegue superar uma gramática cênica que se banaliza pelo fácil delírio tecnológico e pela ausência de qualquer contraponto crítico/reflexivo.

                                              Wagner Corrêa de Araújo


AYRTON SENNA-O MUSICAL está em cartaz no Teatro Riachuelo/Cinelândia/RJ, quinta e sexta, às 20h30m; sábado, às 16h30m e às 20h30m; domingo, às 19h. 140 minutos, com intervalo. Até 4 de fevereiro.

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