FOTOS/SÍLVIA DOS SANTOS |
Apesar de nunca ter tido uma montagem profissional nos palcos
brasileiros - O Misantropo - uma das
mais viscerais comédias de Molière, com sua rigorosa postura crítica em torno
dos mecanismos sociais e dos códigos
comportamentais, é um retrato oportuno e necessário aos tempos que vivemos.
A atualidade de suas falácias torna-se assim perceptível, mesmo
na prevalência quase integral de sua métrica alexandrina original , em rigorosa
mas acessível tradução do ator Washington Luiz Gonzales, também protagonista titular desta montagem.
Que alcança, também, acurada sensibilidade diretorial de
Márcio Aurélio, não por um fortuito acaso, mas por sua expertise na obra do dramaturgo/comediógrafo
francês do século XVII.
E que se diferencia de boa parte das versões de nossos dias, com
suas habituais incursões num humor próximo à chanchada, ao deboche popularesco ,
ao riso imediatista e superficial dos programas
televisivos e das redes virtuais.
Ousando inventivamente sim , sem nunca perder o ritmo e o
alcance das plateias contemporâneas, mesmo na utilização de uma narrativa
versificada, mas sempre imune a qualquer apelo à mera facilitação comercial/cotidiana
de um clássico formato temático/dialogal.
Desde a entrada no espaço arena, o espectador é surpreendido,
ora pela escuta de acordes sambistas ora
pela despojada visualização cênica, onde
os únicos elementos materiais presentes são cadeiras de acrílico transparente(concepção do
diretor, dublê em cenografia, iluminação e sonoplastia, Márcio Aurélio).
E mais impactado ainda quando, pelas laterais, entram os atores em indumentária(outra
vez Márcio Aurélio ,com o suporte criador de André Liber Mundi), entre o formal
e o carnavalesco, o tropicalista e o acadêmico , extensivo a um gestualismo (Marize Piva), ora galante ora
atrevido.
Onde sobressai um elenco afinado no dimensionamento
psicológico de seus personagens: na prepotência insegura de Alceste(Washington
Luiz Gonzales),no espontâneo disfarce do cinismo em Célimène( Paula
Burlamaque), no sarcástico despudor de Aricene(Regina França) e no burlesco academicismo
de Oronte(Joca Andreazza).
Extensivo, em maior ou menor identidade intervencionista, mas sempre de grande sinceridade
e consistência, nas marcações das outras performances (Alexandre Bacci, Eduardo
Reyes e Renata Maia).
Neste feroz e perigoso jogo de aparências, hipocrisia, vaidade, cinismo e maledicência, ecoa este
Misantropo na sua teatralização de convicta e sólida autoridade cênica e
crítica.
Capaz, enfim, em seu teor atemporal ,de aproximar a incisiva
caricatura dramatúrgico/social de
Molière da reflexão filosófica de Bergson sobre o grotesco riso que habita a
própria condição humana.
Wagner Corrêa de Araújo
O Misantropo está em cartaz no Sesc/Arena/Copacabana, quinta a sábado, às 20h30m;domingo às 19h. 90 minutos. Até 7 de maio.
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