A VIDA PASSOU POR AQUI: E SALVOU-SE POR ALGO EM COMUM...



FOTOS/DALTON VALÉRIO

Repartindo o desalento e retomando a alegria são os elementos afetivos  que unem os dois personagens de A Vida Passou Por Aqui, peça de Claudia Mauro que compartilha sua representação com Édio Nunes, comandados por Alice Borges.

Ainda que não deixe escapar um fio de melodrama na sua abordagem de lugares comuns das condições do envelhecimento, com suas doenças , seus pesares e sua progressiva trajetória para o sentir-se cada vez mais só, até que apareça a consolação redentora de uma amizade fiel.

E é a presença do antigo contínuo, colega de repartição sem qualquer preconceito de status social , estendida num relacionamento com anos de dedicação deste serviçal Floriano(Édio Nunes) à professora e artista plástica Sílvia  (Claúdia Mauro), que restabelece para ela o sentido da vida.

Debilitada e quase imobilizada nas decorrências de uma moléstia grave, assolada pela melancolia e pelos contratempos físicos, ela destila sempre  suas amarguras e ressentimentos contra tudo, no descrédito de nunca mais perder o peso da desilusão. 

Ensinando a Silvia como poder novamente sorrir, a sonhar e a esperar por dias melhores, é como se Floriano assumisse em   sua simplicidade conceitual, o princípio aristotélico de que “a amizade é uma alma em dois corpos”.

A trama dramatúrgica de Claudia Mauro numa modulação de sutil delicadeza é estruturada, então,  na passagem e no convívio entre dois tempos narrativos  - a adversidade do presente e a felicidade do passado. 

E, assim, o equilíbrio do  domínio sensorial entre a voz e a fisicalidade na dramatização de um conflito de vontades, com interpretações consistentes e direção (Alice Borges) segura, faz com que A Vida Passou Por Aqui ressoe textual e cenicamente no que é pretendido.

O esforço  pela enérgica e instintiva amarração deste jogo teatral entre dois atores é alcançado pelo comando diretorial na prevalência de uma identidade interpretativa, com sua troca alternada de dimensionamento psicológico em situações emotivas díspares.

Édio Nunes revela cativante coragem na  luta solidária de seu personagem pelo desentorpecimento da dor em alegria , enquanto Cláudia Mauro empresta dignidade singular  às suas transmutações entre os desalentos e as redenções de júbilo.

A envolvente gestualidade imprimida por Paula Águas reflete simultaneamente amor e dor, perda e reconquista, acrescida por acordes musicais ( Cláudio Lins)  calorosos, pelo recato eficaz  dos figurinos(Ana Roque) e da climatização dos efeitos luminosos  (Paulo Medeiros) para o naturalismo verista da concepção cenográfica(Nello Marrese).

Tudo , enfim, concorrendo para o rendimento harmônico e reflexivo de uma temática tão despretensiosa mas capaz de fazer rir e de provocar uma lágrima furtiva em seu contraponto afetivo com cada de um nós.

                                           Wagner Corrêa de Araújo


A VIDA PASSOU POR AQUI está em cartaz no Teatro Café Pequeno, Leblon, de sexta a domingo, às 20h. 90 minutos. Até 18 de dezembro.

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