A PAZ PERPÉTUA: ANTROPOMÓRFICA REFLEXÃO SOBRE O TERRORISMO



FOTOS/NIL CANINÉ

Considerado um do mais originais criadores da dramaturgia espanhola contemporânea, no  seu olhar atento à pulsão conceitual do teatro como arte política, Juan Mayorga tem A Paz Pérpétua qualificada entre suas mais polêmicas e instigantes peças, já na sua similaridade nominativa metaforizando um livro de Kant .

Estreada em 2008, num mundo tragicamente conturbado com a implosão da onda terrorista, a partir do episódio WTC, nela as personalidades humana e canina se confundem e se completam através da ambiguidade de quatro personagens nas suas dúplices digressões por um ideário pacifista para cidadãos e animais.

O rottweiler Odin( João Velho), frio e mercenário; o cão policial  de  raças cruzadas John-John(José Loreto) com sua ideal aptidão física e postura submissa; e o pastor alemão Emanuel ( Cadu Garcia) , sensibilizado  por sua aculturação kantiana quando foi guia de uma cega , estudante de filosofia.

Aos quais se juntam a liderança de passado canino do agora fraturado Cassius ( Alex Nader), na responsabilidade de ensino, no esteio de sua maturidade guerreira , das provas e entrevistas psicotécnicas para os colegas genéticos.

Todos em fase de adestramento, sob o automatizado  comando mor do treinador humano( Gillray Coutinho), para o alcance da coleira branca – o distintivo maior para o  eficaz combate às  células degenerativas em atentados à  perpetuação da paz .


Na organicidade performática de um elenco personificando, com vigorosa energia, sua entrega ao humano/anímico , ora expresso em sutis  atos olfativos ora em sensoriais posições quadrúpedes,mas sem nunca escorregar no grotesco imitativo.

Numa ambientação cênica( Aderbal Freire-Filho) neutra de um lugar nenhum qualquer, somatizada nos resultados da não invasiva luminária(Maneco Quinderé)  paralela às incursões sonoras(Tato Taborda), entre silêncios cronometrizados, ruídos eletrônicos e acordes mozartianos.

Com um incisivo direcionamento  de Aderbal Freire-Filho(dublê numa preciosa tradução) à indução do  espectador  ao auto questionamento instintivo diante deste discurso político e filosófico do antropomorfismo ; no seu  trato , com tragicidade de mordaz ironia, de uma das mais complexas questões da contemporaneidade.

Ecoando a postulação filosófico/política do dramaturgo espanhol ao polemizar ,nesta híbrida teatralidade da rejeição antiterrorista, o “discurso político e moral de legitimação da tortura como um mal necessário”, pela  radicalização transformadora onde:

Só há uma forma de fazer justiça às vítimas do passado - impedir que haja vítimas no presente”.

                                               Wagner Corrêa de Araújo


A PAZ PERPÉTUA , em nova temporada,  no Teatro Dulcina, de quinta a domingo, às 19h. 90 minutos. Até 19 de fevereiro.


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