RACE:PRECONCEITO E CULPA NUM JOGO DE APARÊNCIAS

FOTOS BY BRUNO VEIGA


Num dos diálogos da peça Race, de David Mamet, um personagem afirma que qualquer declaração de um branco sobre cor da pele soa , para um negro, como agressão.
Estreada simbologicamente no ano (2009) em que o primeiro afro - descendente era eleito presidente dos Estados Unidos, Race traz , em sua titulação ,um duplo significado bem ao gosto da dialética linguística do teatrólogo/cineasta  David Mamet.
Charles(Yashar Zambuzzi) um homem branco e rico, procura um escritório de advocacia para se livrar da acusação de estupro de uma mulher negra.
Num ato de enigmática contradição , ele se decide por uma dupla de advogados em que apenas um deles Jack ( Gustavo Falcão) seria um tipo  "ariano" , ao lado das peles escuras do parceiro TJ( Luciano Quirino) e de sua assistente jurídica Susan(Heloísa Jorge).
Na elucidação dos caminhos da possível defesa,vai se elaborando a argumentação entre a busca de uma verdade forjada pela simulação da mentira, capaz assim de criar uma credulidade impositiva diante da banca de julgamento.
Especificidade da escrita dramatúrgica de Mamet, aqui os aforismos reflexivos tem uma prevalência primordial para a própria acepção conceitualizada do discurso teatral.
Nas , às vezes longas, falas de cada personagem, há um delineamento de teses dogmáticas, capazes mesmo de  beirar os limites da absurdidade quando o objetivo é ganhar a corrida( o outro significado etimológico de Race).
A exceção fica com a postura , de sutis modulações ,do cliente Charles que tem na coerência da performance de Yashar Zambuzzi, o tom sóbrio ideal para acentuar o confronto com as elucubrações inquietantes e tensas dos dois advogados.
Luciano Quirino e Gustavo Falcão acentuam seu convincente desempenho de ataque e defesa, raiva e denúncia, ainda que sujeito a certa exacerbação nas suas interferências verbais.
Ao contrário do inicialmente discreto personagem de Heloísa Jorge, perceptível quase como coadjuvante, mas de crescente intencionalidade emotiva no surpreendente e decisivo encaminhamento da trama narrativa.
Os códigos cênicos se consolidam com a ambientação claro/escura das luzes( Paulo Cesar Medeiros) num décor único de uma sala /escritório,  entre as duas fileiras opostas da platéia.
Os tons elegantes mas discretos dos figurinos de Luciana Falcon ( dividindo a concepção cenográfica com Paso) e a trilha de André Poyart viabilizam o clima psicológico necessário.
A inteligente tradução de Leo Falcão propicia o carisma sequencial do tríptico Mamet (iniciado por Oleanna), com uma sólida e exponencial transcrição cênica de Gustavo Paso para um provocador substrato temático de pele, sexo e culpa.




RACE está em cartaz no Teatro Poeirinha, Botafogo,sábados e domingos, 21h. Até 21 de fevereiro.

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