ESTAMOS INDO EMBORA: ATENÇÃO! PERIGO!

Se até hoje não aconteceu o fim dos tempos, a morte do planeta terra e de todos os seus habitantes pelo temido  apocalipse bíblico, um outro epílogo está mais perto do que se imagina. A perdulária exaustão  da natureza ,  o aquecimento global  e a poluição atmosférica podem ser  os sinais reais da proximidade de uma  tragédia final.

Inspirado por um encontro com o filósofo e antropólogo Bruno Latour, o jornalista especializado em teatro, Luiz Felipe Reis ,  decidiu inaugurar sua trajetória como dramaturgo através da original proposta cênica de "Estamos Indo Embora...". Ao lado da atriz Julia Lund enveredou por uma seara inédita no universo dos palcos - o homem versus a natureza , numa relação mais próxima do conflito que da complacência.

A partir do encontro de outras linguagens artísticas que,por sua vez, já mais de uma vez, tinham se aventurado ,com exito, pela temática, faz, agora, do teatro o porta vez de uma tragédia anunciada. Mas mantendo o fluxo evocativo  que especialmente o cinema, as artes visuais, a dança e  a música vem desenvolvendo em torno da questão ambiental,   a direção do autor reuniu, num espetáculo quase múltipla instalação / performance , os atores Julia Lund e Márcio Machado.

A montagem é desenvolvida em três momentos, ficando ,para o derradeiro  quadro,   a abordagem mais convencionalmente dramatúrgica .Quando a concepção despida de seu tom palestrante desvenda , entre pausas e silêncios, o refletir amargo de um casal sobre as incertezas e a insegurança,  para um filho que vai nascer, numa humanidade condenada ao  caos.

O exponencial prólogo cinético com geleiras se derretendo, enquanto os atores assumem um gestual quase coreográfico, sob um   efeito cenográfico de brumas congelantes , propicia o clima estético necessário para os módulos seguintes. Nestes há uma prevalência da palavra didatizada em conluios que conduzem a plateia ora no tom expositivo com nuance de conferencia científica ,ora  na contradição opinativa sobre a problemática ambiental , numa inquisitiva interação com a platéia.

Embora haja um acerto na expressiva performance do elenco e na coerência dos efeitos sonoro/musicais(Luiz Felipe Reis/Thiago Vivas),  paralela aos  figurinos (Antônio Guedes) e a iluminação(Alessandro Boschini),a  proposta inventiva  não consegue evitar uma certa fragmentação dos diversos segmentos artísticos/ discursivos ali presentes, com prejuízo da arquitetura teatral propriamente dita.

O que, enfim, não  inviabiliza o visível refinamento investigativo desta nova revelação autoral nos palcos cariocas. Capaz ,  com sua palavra,  de despertar a consciência reflexiva sobre quanto tempo ainda nos resta para salvarmos o simbológico mundo verde ( lembrando o Drummond de "Fala Amendoeira"),  "plantado em frente à porta /companheiro mais chegado de um homem e sua vida/espécie de anjo vegetal proposto ao seu destino".




Fotografia: Leo Aversa
ESTAMOS INDO EMBORA está em cartaz no Teatro Gláucio Gil, de sexta a segunda, às 19h. Até 28 /o9.

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