VANYA E SONIA E MASHA E SPIKE : COM UM TEMPERO TCHEKOVIANO

COM UM TEMPERO TCHEKOVIANO

"A tragédia das trivialidades da vida", assim Górki definia a trajetória dramatúrgica de Anton Tchekhov . Carregadas de melancólica tristeza as peças deste russo , de breve passagem existencial( 1860-1904) não deixavam de refletir sobre as agruras da condição humana com um leve sotaque de irônico humor.

E foi inspirando-se nesta seara tragicômica que o premiado autor americano Christopher Durang escreveu sua peça " Vanya e Sonia e Masha e Spike" que lhe rendeu , em 2013,o Tony Award de Melhor Espetáculo da Broadway.

Com o referencial de quatro momentos capitais tchekovianos, Durang confessou , na época de lançamento do texto teatral, sua identidade com o russo sentindo-se um "Tio Vanya", tanto na proximidade da idade do personagem, como nos inesperados desenganos a que a vida o conduziu.

Aqui, na decadente atmosfera de uma casa de campo na Pensylvania, dois irmãos quase próximos da terceira idade- Vanya( Elias Andreato) e Sonia ( Patrícia Gasppar), solteiros , nada mais esperam de seu universo solitário, bisonho , mal resolvido , enfim, sem qualquer perspectiva.

Surge aqui a primeira referência ao "Tio Vanya" quando, no enfado de sua juventude desperdiçada, em meio a amargo reflexionar, esquece o chá, que toma frio,  ou quebra sua xícara. A cena se repete entre os dois irmãos até que chega a irmã Masha ( Marília Gabriela) ,aparentemente bem sucedida como atriz, em sua carreira longe daquele ambiente provinciano.

Está assim criada a citação das "Três Irmãs" que visualizam em Moscou a redenção da inércia e do "non sense" do monótono cotidiano. Na visão de Durang, com a inovadora postura da irmã atriz na sua volta "triunfante", acompanhada de Spike ( Bruno Narchi) , sem nominação russa , jovem demais para ela e mais interessado em sua ascensão como aspirante de ator que nos deleites amorosos.

Masha traz a desalentadora noticia da venda da casa e seu "Jardim de Cerejeiras", com a mensuração mercadológica preponderando sobre o valor sentimental e familiar para cada um dos irmãos. E ainda não atendendo às vidências sinistras reveladas nos afazeres da empregada Cassandra ( Teca Pereira) ,personagem mais próximo, na sua titulação, do teatro grego que do teatro a la Tchekhov .

Completando-se mais uma citação ironizada , desta vez de "A Gaivota", através da juvenil Nina( Juliana Boller) , tornada rival de Masha, na suas insinuações sensuais em torno de Spike. Defrontando todos com sua afirmação de jovialidade : "Sou uma gaivota", respondida com ácida aceitação por Sonia - "Sou um peru selvagem".

Frustração, arrependimento, inveja, sarcasmo pontuam a espontânea e exponencial performance de um elenco que tem ricas vertentes, inclusive, nos seus inúmeros solilóquios como a emotiva confissão de Elias Andreato, os significativos desabafos de Patricia Gasppar, a envolvente comicidade de Teca Pereira e a glamourosa posturalização de Marília Gabriela. Revelando certa superficialidade apenas nas estereotipadas interferências de Bruno Narchi e nas limitadas possibilidades do papel de Juliana Boller.

O clima farsesco marcado esteticamente pela inventiva direção de Jorge Takla soube equilibrar ,com dignidade, o ponteio tragicômico / tchekoviano da peça. Ressaltado com a superlativa cenografia realista (Attilio Baschera/Gregorio Kramer) , a precisão dos figurinos(Theodoro Cochrane) e a ambiental iluminação(Ney Bonfante), num espetáculo que , por sua qualificada produção. merece ser conferido.




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