AS PEQUENAS COISAS : REMISSIVA CONEXÃO EMOCIONAL ENTRE TRÊS CONTRADITÓRIAS VIDAS FEMININAS


As Pequenas Coisas. Daniel MacIvor/Dramaturgia. Inez Viana/Direção Concepcional. Abril/2025. Thais Grechi/Fotos.


O dramaturgo canadense Daniel MacIvor tornou-se bastante conceitualizado em nossos palcos a partir, especialmente, de sua peça In on It, ao lado de outras  obras suas, também aqui representadas, como Cine Monstro, À Primeira Vista e A Ponte. 

Parte de seu tríptico dramatúrgico Try, original da segunda década deste século, tendo como foco trajetórias existenciais contraditórias de mulheres em processo de reconciliação simultânea entre elas, As Pequenas Coisas tem, agora, sua primeira e inédita montagem no País.

Sugestionada em ideário dúplice pelas atrizes Liliane Rovaris e Ana Carbatti, inspirando-se a partir da leitura da trilogia feminista de MacIvor  - Communion, Was Spring e Small Things - num processo de escolha que levou a esta última, dimensionado por artesanal tradução de Ana Carbatti.

Ambas acabando por integrar o elenco completado por  Adassa Martins, sob mais uma acurada direção concepcional de Inez Viana, tendo a valiosa participação de uma equipe artística feminina. Com algumas craques do universo teatral carioca, a saber, Denise Stutz (Movimento), Marieta Spada (Cenografia) Lara Cunha (Luz) e Aline Gonçalves (Música).

A trama dramatúrgica reune mulheres de diferente nível geracional e social encontrando-se por um destes acasos do destino, quando inicialmente Patricia (Ana Carbatti) uma professora aposentada, aparentemente rica, culta e conservadora, escolhe uma simplória governanta Nice (Liliane Rovaris) para cumprir tarefas domésticas.  


As Pequenas Coisas. Daniel MacIvor/Dramaturgia. Inez Viana/Direção Concepcional. Abril/2025. Thais Grechi/Fotos.


No decorrer da narrativa, enquanto vão se revelando os caracteres contrastantes de cada uma delas, o autoritarismo advindo de uma assumida sapiência de seus anos de magistério e a aparente paciência que esconde uma irrestrita teimosia no falatório da “empregada”, é revelada a terceira personagem através de sua intrigante filha Bel (Adassa  Martins).

Esta, por sua vez, por ter tido um filho que desde cedo foi identificado como uma criança transgênero, mostra-se, em sua conscientização por aceitar isto, como menos instável e mais madura que as outras duas, tornando-se, entre as três, a mais maleável e capaz até de fazer rir o espectador.

E na sua busca de energização afirmativa encontra culminâncias nas discussões conflituadas com a mãe e na divertida cena em que, depois de se oferecer como substituta da mãe ausente, convence a velha professora a se animar mais experimentando cannabis,  suprindo para melhor sua dependência emocional no lugar de seus habituais drinks alcoólicos .

O minimalismo cenográfico (Marieta Spada), preenchendo o espaço arena com poucos elementos materiais, incluída a indumentária cotidiana, sob uma ambientação de luzes mais vazadas (Lara Cunha) faz com que prevaleça um clima gestual psicofísico  (Denise Stutz) capaz de ser afinado, num sotaque subliminar crítico/reflexivo,  pela precisa direção de Inez Viana.

Não podendo deixar de ser destacada a trilha musical (Aline Gonçalves) ao privilegiar a interveniência sonora de cegos do Instituto Benjamin Constant, além da expressiva e tocante cena da audição de acordes schubertianos, num simbólico recital que procura conciliar classes sociais e gostos musicais, sob a envolvência interativa  atrizes/espectadores.

Onde a evocação de temas tão caros aos nossos dias como a misoginia e o etarismo, o preconceito decorrente do livre identitarismo sexual às discriminações sociais, além do androcentrismo privilegiando sempre o domínio masculino, encontram o devido eco nas três personagens.

Desde a convicta entrega de Ana Carbatti ao seu papel com irrepreensível presença dramática, ao lado de uma contundente e ao mesmo tempo sóbria sustentação de Liliane Rovaris para seu personagem, enquanto Adassa Martins surpreende ao deslocar sua atuação para uma linha mais irônica e lúdica que descontrai o clima da performance.

Tudo convergindo para a devida classificação de As Pequenas Coisas como uma comédia dramática e, afinal, pela tão acertada definição da sua diretora Inez Viana : “A peça nos conta sobre como podemos rever a partir de encontros inusitados e lidar com eles, para que tenhamos novas revelações sobre nós mesmas”...

 

                                              Wagner Corrêa de Araújo



As Pequenas Coisas está em cartaz no Arena/Sesc/Copacabana, quinta a sábado, às 20hs; domingo às 18hs, até o dia 11 de maio.


Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente crítica

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