EU NÃO ME ENTREGO NÃO : INCURSÃO MEMORIALISTA NA TRAJETÓRIA DE UM ATOR-ÍCONE DO TEATRO E DO CINEMA BRASILEIRO

 

Eu Não Me Entrego Não. Flávio Marinho/Dramaturgia Direcional. Othon Bastos/Ator. Junho/2024. Fotos/Beti Niemeyer.


Ser ator significa ser você mesmo sendo maior que você mesmo. O que se aplica, muito a propósito, ao ideário dramatúrgico desenvolvido, com luminoso acerto, pelo autor/diretor Flávio Marinho, ao atender a um apelo do ator Othon Bastos para, assim, poder voltar ao ofício teatral, na plenitude de seus 91 anos.

Após este ter ficar fascinado com o que vira em sua peça Judy: O Arco-Íris é Aqui, com Luciana Braga, de livre intuito biográfico, como se sentisse o mesmo anseio roseano de querer também decifrar as coisas que são (ou foram) importantes, numa  transmutação, também para o palco,  no entorno dos atos e fatos da trajetória artística/existencial do ator baiano.

E que acabaria sendo o primeiro monólogo de sua icônica carreira como um dos mais celebrados intérpretes do teatro, da televisão e do cinema brasileiro. E desta vez não imitando, ou fingindo ser, um outro personagem qualquer, mas sendo ele mesmo o ator representando a própria vida. 


Eu Não Me Entrego Não. Flávio Marinho/Dramaturgia Direcional. Othon Bastos/Ator. Junho/2024 Fotos/Beti Niemeyer.


Numa postura arrojada em que ele, agora, estaria contando como isto aconteceu, desde sua passagem de inicialização performática, ao declamar em tempos escolares um poema de Olavo Bilac. Sem o exagerado sotaque melodramático assumido pelos outros colegas e onde sua espontaneidade, ao dizer versos sob uma naturalidade cotidiana,  levou-o a ser admoestado pela professora de jamais pensar em ser artista um dia.

O que, nas surpresas de reviravoltas do destino, se daria ao contrário (pós fugaz desejo de ser dentista) atuando como coadjuvante vocal, numa das apresentações da Cia de Paschoal Carlos Magno, extensiva a uma tournê em Londres, ainda que continuasse nas intervenções apenas figurativas, segundo Othon, um mero “coadjuvante de luxo”.

Mas preparando um fértil terreno que o faria receber do conterrâneo Glauber Rocha o convite, com apenas 21 anos, para ser Corisco em Deus e o Diabo na Terra do Sol. Que, sete décadas depois, por uma de suas falas cantadas serviria como mote titular deste monólogo – Eu Não Me Entrego Não, em simbólica sugestão de Flávio Marinho.

Na fase preparatória da sua encenação chegou-se uma original idéia que dissipou quaisquer temeridades de lapsos, dada a idade avançada de Othon Bastos, especialmente numa atuação solista, contando com a parceria presencial da atriz Juliana Medella.

Numa funcional e simpática participação num papel de ponto ou como um Google, em ironico aparte textual  (“uma espécie de Alexa em cena”) em pausas esclarecedoras sobre as re(ve)lações de toda uma vida-teatro-cinema, em subliminar encenação paralela ao lado do ator, plena de convicção como se fosse um personagem alterego, sendo ao mesmo tempo ela e ele.

Nos setenta anos teatrais, fílmicos e televisivos, passando por caracterizações emblemáticas como o São Bernardo, de Leon Hirszman, 1972, nas telas, ou nos palcos Um Grito Parado no Ar, 1973, de Gianfrancesco Guarnieri, sempre ao lado de Martha Overbeck, parceira de teatro e de uma paixão de quase vida inteira.  

Tudo isto figurado no alusivo painel/mural  cenográfico  (Ronald Teixeira) preenchido por nostálgicas fotos e imagens documentais, potencializado pelos sensoriais efeitos luminares de Paulo Cesar Medeiros e pelos acordes incidentais de uma trilha, com o habitual brilho musical  de Liliane Secco.

Em mais uma das consistentes abordagens concepcionais, em compasso biográfico/confessional, com artesanal direcionamento de Flávio Marinho, fazendo com que sua envolvente textualidade, alcançasse cativante investimento  estético / dramatúrgico.

De pleno domínio em seu dimensionamento cênico, na conexa unidade interpretativa da expressão vocal à corporeidade gestual, resultando, enfim, numa carismática performance deste grande ator de ontem, de hoje e de sempre que é Othon Bastos...

 

                                            Wagner Corrêa de Araújo

 

Eu Não Me Entrego Não está em cartaz no Teatro Vannucci/Shopping  da Gávea, Sexta às 20h; sábado às 20h30m; domingo, às 20h, até o dia 28 de Julho.

Um comentário:

Anônimo disse...

Assisti e super recomendo! Excelente texto, excelente ator! Muito bom!

Recente

TRIPLE BILL / BTM : COM UMA DIFERENCIAL VERSÃO COREOGRÁFICA DE RICARDO AMARANTE PARA SCHEHERAZADE

      Triple Bill / BTM/RJ. Rodrigo Amarante/Concepção Coreográfica. Em cena, Scheherazade. Outubro/2024. Filipe Aguiar/Fotos.  No apogeu ...