Há uma correlação simbólica entre a criação expressionista de
Mary Wigman e o orientalismo contemporâneo de Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno, os
criadores do estilo coreográfico Butoh.
Quando a coreógrafa e bailarina alemã se propôs a “dar forma
ao caos", no conturbado período que levaria ao nazi/fascismo, isto ecoou também na
década de 50, num Japão fissurado por uma dramática ocidentalização.
É quando surge o estilo butô (Ankoku Butoh), a “dança das trevas”, expressão pioneira da vanguarda
coreográfica japonesa, numa estética que conquistou o mundo com sua temática
ancorada sobre a tragicidade da condição humana.
Retomando a tradição
zen-budista, para se confrontar com a crise civilizatória, o butô deveria se
apoiar, segundo o pensamento de Kazuo Ohno, na “vida que nasce da morte e na introspecção para aceitar este dualismo”.
Onde prevalece uma dança teatralizada que retoma a percepção
do pensar de Wigman, de quem Kazuo foi
aluno, –“Suportar a vida, aceitá-la e glorificá-la no ato de criação”.
Aqui os dançarinos/atores, numa cenografia
minimalista, ressaltam a gestualidade, através da extremada sutilização da
postura de mãos, braços, pernas e troncos.
Na extroversão da interioridade, diante da juventude e da
decadência corporal, na trajetória tragicômica do nascimento à finitude.
Assim a Cia Sankai Juku, concebida, dirigida e coreografada por Ushio Amagatsu, completa seus 40 anos, com sua invenção personalista do butô ligado à contemporaneidade pela transubstanciação reflexiva da ancestralidade espiritual japonesa.
Cia Sankai Juku / Meguri. Julho/2016. Fotos/Cortesia Arquivo Sankai Juku. |
E, desta vez, com um verdadeiro poema coreográfico Meguri - Mar Exuberante, Terra Tranquila - metaforizando, pelo movimento, o
conceitual físico/filosófico : terra,
água, fogo e ar.
Com oito dançarinos, numa trilha refinada entre a “ambient music” e o rock progressivo e um
muralismo cênico de exponencial plasticidade, sob luzes atmosféricas, inspirado em fósseis
marinhos paleozoicos.
Cobertos todos eles por uma maquiagem corporal, textualizada
num branco melancolizado, extensível aos figurinos, com a similaridade
disfarçada, apenas, por leves insinuações de pigmentos em verde e vermelho.
Em circulares movimentos e na sensitiva postura solar, sob o
essencialismo gesticulatório de espiritualização da fisicalidade.
Entre a mascaração das faces, meditativas e
assombradas, ou na dissonância de súbitos saltos de apelo orgíaco.
Num carismático convite, palco/plateia, para uma dança,
poética e catártica, da alma pela vida.
Wagner Corrêa de Araújo
Esta última apresentação no Rio de Janeiro da Cia Sankai Juku
com o espetáculo Meguri, aconteceu em
julho de 2016, no palco da Cidade das Artes, quando a Cia estava completando seus
40 anos.
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