Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe. Daniela Pereira de Carvalho/Dramaturgia. Leonardo Netto/Direção. Com Guida Vianna e Silvia Buarque. Fevereiro/2024. Fotos Nil Canindé. |
A partir de uma poética e simbiótica titulação – A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe - Daniela Pereira de Carvalho
surpreende, outra vez, por intermédio de
uma precisa e oportuna incursão dramatúrgica.
Que chega sob a direção concepcional de outro craque do teatro carioca –
Leonardo Netto – e com a potencialidade performática de duas exponenciais
atrizes – Guida Vianna e Sílvia Buarque de Holanda.
Agora, pela exposição do arraigado preconceito de um núcleo familiar
desafiado pela resistência no desvendar verdades secretas que, se reveladas e
questionadas sem amarras, seriam capazes de provocar um cataclisma no
relacionamento afetivo geracional, entre
uma mãe, uma filha e uma neta.
Por aí já começa a se impor a fluência de um diferencial
enredo onde três personagens são interpretadas, alternativamente, entre as
duas atrizes na dialetação de um processo emocional que as coloca, frente a
frente, em tempos distintos no compasso do tríplice momento de um conturbado histórico
familiar.
Em simbólica ambientação cenográfica (Ronald Teixeira) onde a
plasticidade exercida por folhas secas espalhadas pelo espaço dimensionado no
formato arena, encimado por molduras de portas e janelas de tonalidades ancestrais, sugestiona a passagem do tempo. Ampliando-se no coloquialismo atemporal do
figurino (em dúplice criação por Ronald Teixeira) e nos sempre expressivos
efeitos luminares de Paulo Cesar Medeiros.
A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe. Daniela Pereira de Carvalho/Dramaturgia. Leonardo Netto/Direção. Com Guida Vianna e Silvia Buarque. Fevereiro/2024. Fotos Nil Canindé. |
Na abordagem ficcional da vida de duas mulheres desdobrada na
simultaneidade e na inversão dos papéis femininos, a começar do confronto de
cobrança trinta anos depois por Elisa (Guida
Vianna), uma mãe marcada pela idade septuagenária, com a filha Antônia (Silvia Buarque) já cinquentona e na condição de uma lésbica que nunca foi aceita no
convívio domiciliar, tanto por sua genitora como pelo pai machista.
Seguindo-se uma transmutação personalista fazendo a velha mãe
(Guida Vianna) se tornar a filha impugnada por sua opção sexual, agora no reencontro
dela com a descendente sanguínea Helena (Silvia Buarque), fruto de uma
gravidez indesejada e entregue à adoção pela preconceituosa Elisa.
Tanto Guida Vianna quanto Silvia Buarque de Holanda destacando-se
na coesão do apelo confessional e no perceptível alcance de cada uma delas nas
representações de um tríduo de mulheres em idades e épocas variadas. Com Guida Vianna na
absoluta maturidade de um irrepreensível presencial cênico, ao lado de Silvia
Buarque num rompante grau de espontânea luminosidade.
Numa trama mirabolante, sob um subliminar sotaque
melodramático, mas nunca se deixando impregnar por um sentimentalismo barato e
de superficialidade novelesca, graças à habilidade autoral presente nas
escrituras dramatúrgicas de Daniela Pereira de Carvalho.
E na maestria e na autoridade cênica demonstrada aqui na
exploração de temas tão necessários como a disfunção familiar, indo dos embates
machistas à afirmação feminista, paralela ao ato de denunciar qualquer postura
retrógada e avessa à condição LGBT.
Extensiva ao brilhante trato direcional imprimido por Leonardo Netto aos conflitos e à
polemização das trajetórias pela livre identificação sexual, entre o passado e o presente
com o olhar armado no futuro, na esperança de que dias melhores virão. Sabendo, antes de tudo, se sintonizar na contemporaneidade e na conexão com o melhor do teatro atual.
Wagner Corrêa de Araújo
A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe está em cartaz no Teatro Poeirinha/Botafogo, de quinta a domingo, às 19h. Até 31 de março.
Um comentário:
Li e adorei seu texto nos remete ao mundo sensível das relações entre gerações e opções do desejo. Parabéns . Cris Avila
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