Estátua de Mercedes Baptista no antigo Largo da Prainha, hoje Pequena África, na região portuária/ RJ. |
Lançado inicialmente em 2007, Mercedes Baptista - A Dama
Negra da Dança, sob a autoria do pesquisador e professor de dança Paulo
Melgaço da Silva Junior, chega agora à sua segunda edição, revista e ampliada para
registrar o centenário da pioneira na criação da identidade negra na dança
brasileira.
Nome fundamental na trajetória histórica de bailarinos negros
em palcos brasileiros, no desafio contra o preconceito da branquitude na dança
clássica, Mercedes Baptista junto a Consuelo Rios, desde os anos quarenta, compartilhou
o desejo dúplice de se tornarem, ambas de pele escura, integrantes do Corpo de
Baile do Theatro Municipal carioca.
Frustrado, em 1945, para Consuelo Rios, na tentativa de ser
admitida para uma vaga na Cia pelo simples fato de ser negra mesmo revelando
potencial base clássica. E, no caso de Mercedes Baptista, sendo incluída em 1948 mas nunca alcançando os balés de repertório,
salvo em coreografias de embasamento folclórico/nacionalista.
A partir de um relato inicialmente biográfico, em breves
traços é focalizada a infância de uma menina negra pobre, cujos primeiros estudos
são incentivados pelo esforço de sua mãe empregada doméstica. E é nesta época, assistindo
a filmes musicais americanos nas matinês dos cinemas de rua, que Mercedes Baptista descobre sua verdadeira vocação.
Desenvolvida através de aulas num curso com Eros Volúsia, até
chegar ao dia de sua prova em concurso público para integrar o Corpo de Baile
do Theatro Municipal quando, pela primeira vez, uma bailarina negra seria
admitida. Mas a árdua luta pela afirmação de sua identidade racial apenas estava
começando.
Tornando-se, enfim, a responsável pela criação de uma estética
coreográfica original com o Ballet Folclórico Mercedes Baptista tendo como base a dança afro-brasileira, com um legado extensivo à sua participação no Teatro de Revista e na comédia cinematográfica brasileira, pela sistematização dos princípios estilísticos que
passaram a nortear as escolas de samba e o carnaval carioca.
A simbologia desta acurada e necessária análise de Paulo Melgaço, enriquecida por precioso material iconográfico e valiosos depoimentos da bailarina e de seus contemporâneos, já se faz potencial no ideário político/social de sua dedicatória : “Aos negros e negras que lutaram, lutam e lutarão contra o racismo estrutural e estruturante que marca a nossa sociedade”.
Outra recente publicação editorial é “Preparação Corporal, Direção de Movimento e Coreografia nas Artes da
Cena”, uma importante coletânea crítico/analítica do Laboratório Artes do
Movimento – LABAM, da Escola de Teatro da Unirio,
em torno do Grupo de Pesquisa Artes do Movimento, num dimensionamento que
compreende o teatro e a dança direcionados a uma conexão conceitual com o Teatro
Coreográfico. Sob organização e artigos assinados por especialistas no tema, como Adriana Bonfatti, Enamar Ramos, Joana Tavares, Juliana Manhães e Nara
Keiserman, entre outros vinte significativos nomes do Brasil e de além-mar.
Em obra cujo percurso se desenvolve no entorno de análises e discussões
sobre as artes da Cena, vistas pelo ângulo da corporeidade dançante, do
vocabulário do movimento e da assinatura
corporal, contextualizadas com a dramaturgia da fisicalidade.
Trazendo uma contribuição inestimável dos seus diferentes significados
para as artes performáticas, desde o étnico ao sagrado, traduzidos
pela expressão gestual em encontros interculturais, com envolvência de todas e
quaisquer experiências emocionais através de uma visceral pulsão estética à psicofisicalidade.
Tudo, enfim, voltado às descobertas do corpo cênico e para um
teatro imersivo, com um olhar antenado na contemporaneidade. Sem nunca deixar
de lado o alentador referencial à postura de enfrentamento ao retrocesso das atuais diretrizes de uma
perceptível (des)governança brasileira, especialmente em tudo que se refira ao
incentivo à criação artística e à valoração do
fato cultural.
Wagner Corrêa de Araújo
Mercedes Baptista – A Dama Negra da Dança, por Paulo Melgaço
da Silva Júnior/ 2021/ Ciclo Contínuo Editorial.
Preparação Corporal, direção de movimento e coreografia nas
Artes da Cena. Rio de Janeiro, Multifoco. 2021.
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