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FOTOS/ROGÉRIO BELÓRIO |
Em anos obscuros da década de setenta, o dramaturgo mineiro
José Antônio de Souza sabia, apesar daqueles pesares, clarear com sua irônica
inteligência e seu negro humor, abrindo janelas nos sombrios porões da ditadura
militar.
Conseguia, assim, com laminar contraponto crítico, denunciar as
inquisitoriais feridas tornando
risíveis, com nuances de absurdidade e surrealismo, os estratagemas de violação
dos direitos e da dignidade humana.
Seus personagens, aureolados em compasso de sagaz fantasia e contundente delírio poético, revelavam uma potencial pulsão psicológica, no disfarce
intencional do que realmente queriam simbolizar de um tempo de pesadelos.
E neste imaginário de suposições , do
não esclarecido ao interrogativo, distinguiam-se todos como recatadas
personificações de uma classe média envolvida em tramas grotescas. Onde, mesmo
sem pistas de um significado político direto, desnudados em seu conceitual metafórico de seca precisão
tinham sempre algo de significante a dizer.
Como a ambiguidade paranoica da relação afetiva de uma mãe e
uma filha, em tenso clima de agressividade e mal entendidos no convívio
doméstico. Desestabilizando-se mais ainda no entremeio da estranha chegada de pacotes misteriosos, de
conteúdo inexplicável e questionador, como partes de um manequim/corpo , na
peça Oh! Carol.
Ou nos impactantes subterfúgios e nas falsas aparências de calmaria de um casal de pequena burguesia Hugo(Well Aguiar) e Lila(André Junqueira) se aprimorando em hábitos assassinos na
trama dramatúrgica de Crimes Delicados.
Inicializada na eliminação cruel de seus animais domésticos como o peixe do aquário, o cão e o gato, ao qual é seguida do propósito de vitimar, com o inusitado resultado do "eterno retorno", ainda sua empregada Efigênia (Bernardo
Schlegel).
E, nesta irreverente experimentação criminal de "banalização do mal", ampliando a artimanha diabólica para a
inclusão no rol sanguinário, até dos ascendentes
em linha direta do marido (Well Aguiar) e de sua consorte (André Junqueira).
Aqui, com uma concepção cênica e diretorial de Marcus Alvisi calcada na atemporalidade, sem se ater a
quaisquer referenciais de uma triste era política(o texto original é de 1973), o que poderia talvez soar datado e anacrônico. Como é contextualizado, subliminarmente, o desaparecimento corporal das vítimas
, com o justiçamento às escuras pelos chamados esquadrões da morte e pelos
milicianos do regime militar.
Ressaltando, por outro lado, o ponto de vista do presencial da violência como um substitutivo dos valores sociais mas, mesmo assim, com tratamento aproximativo de um
sotaque superficial e descompromissado na potencialização da mera comicidade. Sem se aprofundar na tragicidade introspectiva do confronto critico/reflexivo da extensão deste
mal à contemporaneidade. O único aspecto que, com maior verdade e veemência , justificaria hoje a retomada de Crimes Delicados .
Onde, ainda que diante dos riscos desta quase desgastante abordagem do espetáculo, apresenta bons resultados como realização técnico/artística, de alcance tanto na minimalista cenografia(Gilvan Nunes) e figurinos(Talita Portela), como nos funcionais desenho da luz(Carlos Lafert) , da trilha musical(M. Alvisi/Tauã de Lorena) e da direção gestual(Luciana Bicalho).
E no convicto desempenho dos atores fazendo prevalecer a
representação do feminino pelo masculino em André Junqueira e Bernardo Schlegel
, além da perceptível entrega de Well
Aguiar ao seu papel do homem condutor
de uma mordaz comédia de costumes que , outrossim, teve história e, ainda, pode dar seu recado de alerta.
Wagner Corrêa de Araújo
CRIMES DELICADOS , de volta ao cartaz , no Teatro Dulcina/Centro/RJ,de sexta a domingo, às 19h. Até 27 de agosto.
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