TRICK CELL PLAY / FOTO/ ÉDOUARD LOCK |
Entrando em sua segunda década de vitoriosa trajetória
artística, a São Paulo Companhia de
Dança - SPCD – começa a temporada 2019. Desta vez, com um programa síntese de
seu ideário estético, dando continuidade à sua abertura aos experimentos e
invenções coreográficas, sob o sempre atento comando mor de Inês Bogéa.
Privilegiando, em seu suporte concepcional, um espaço para
lançamento de obras inéditas tanto dos nossos criadores como para aqueles além fronteiras.
Sem deixar de lado tanto a revisitação, nos moldes originais, como a releitura
de grandes momentos do repertório clássico à pós-modernidade. Com acurada
seleção e resultado cênico que se estende à irrepreensível performance técnica
de seus bailarinos.
O que vem possibilitando
a inserção em seus programas de obras concebidas exclusivamente para a SPCD, por criadores do naipe de Édouard Lock, entre outros. No caso
deste último, agora, com a coreografia Trick
Cell Play, completando o primeiro ciclo de composições desta saison anual, precedida por Agora, de representativo nome da mais
recente geração coreográfica brasileira – Cassi Abranches.
Recorrendo à temporalidade memorial, Agora propõe um inventário, mais abstrato que propriamente narrativo,
sobre as incursões físico/emotivas de uma personagem feminina secular que vê
desfilar diante de seus olhos a completude de sua trajetória existencial (Cassi Abranches admite aqui o mote inspirador do romance símbolo
de Garcia Márquez).
Neste retomar de uma vida pela expressão da corporeidade, a
obra se desenvolve em tríplice modulação, com formações de conjunto no prólogo
e no epílogo (ainda com certa recorrência à tipicidade do gingado de R.Pederneiras), no entremeio de passagens de maior individualização gestual e de
menor referencial coreográfico aos doze anos de Cassi como bailarina do grupo Corpo.
Sublinhadas por uma solarização visual, à base de energizada
trilha (Sebastian Piracés), entre
acordes percussivos e sonoridades roqueiras, marcando as idas e vindas da
fisicalidade in motion no seu caminhar
pelo espaço cênico, como se a exposição dos
corpos dos bailarinos fosse direcionada por inventivos efeitos videográficos de uma ilha
de edição.
Egresso, desde 2015, da cia La La Human Steps que o celebrizou no panorama da dança contemporânea,
o canadense por adoção, de ascendência marroquina - Édouard Lock, desde o
despontar de sua carreira coreográfica, vem dialogando com outras linguagens
artísticas, da cena pop/rock ao cinema, passando pelo teatro e pela ópera.
E nesta sua enigmática titularidade – Trick Cell Play – mais literalmente voltada para o universo biológico/científico das células e suas mutações, é como se referisse ao entendimento da condição humana, através de enfoque metafórico, na
materialidade de corpos em movimento.
Indo mais longe, na busca assumida de um nonsense, para deixar fluir livre acepção a significados intuitivos na leitura particular de cada espectador, com proposital senso irônico,
concedendo uma possível pista na provocação desconstrutora da iconologia da grande ópera. Ampliada no acompanhamento ao vivo de um quinteto (clarone, cordas e piano) executando temas (Gavin Bryars) que apenas sugestionam sutilmente uma melodização de apelo lírico.
Num conceitual semiótico e crítico de caractéres psico-estéticos dos personagens operísticos com sua dramaturgia melodramática
e grandiloquente, induzida entre simultâneas luzes focais no formato de círculos, sob efeitos cinéticos, que aprisionam bailarinos em solos, duos ou pequenas formações grupais, numa ambientação de substrato noir.
Sabendo bem como explorar o convívio de posturas clássicas, via sapatilhas de pontas e piruetas, com exigentes pontuações míméticas do
movimento dimensionado pela dança contemporânea. Enfatizando uma melancolizada dramatização
dos relacionamentos afetivos, paixões e conflitos entre corpos de destinação tão
efêmera e passageira quanto cada gesto coreograficamente visualizado.
Em espetáculo que, sobremaneira, potencializa a São Paulo Companhia de Dança por seu
permanente incentivo às atitudes criadoras sem
fronteiras, sintonizadas com o tempo presente.
Wagner Corrêa de Araújo
A SÃO PAULO CIA DE DANÇA está em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, SP, com
o programa 1 da SPCD 2019. 70 minutos. De 06 a 09 de junho.
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